segunda-feira, 11 de maio de 2009




Este é o primeiro conto que eu fiz para construção de personagens de RPG. Foi publicada no antigo Sucupiras e em outros sites como este. Mais uma vez, percebo erros, mas publico na íntegra, exceto que não há aqui o resumo que acompanhava os textos.


Ilha de Odracir


Na costa do continente, numa região conhecida como o Fim do Mundo, existe uma ilha povoada por bárbaros. O povo da região chegou na ilha través de uma tribo que morava no continente e que se equilibravam sobre pranchas para atravessar pequenos braços de mar. Muitos milhares de anos passaram para os que decidiram ficar na ilha e ocorreu uma “especiação” que levou os bárbaros da ilha a se tornarem uma raça poderosa e singular.


A ilha é de origem vulcânica e não se pode cruzá-la de ponta a ponta porque há uma grande montanha ocupando todo o centro desta. A princípio os habitantes ocuparam as praias, sobrevivendo de peixes e frutas, mas com o tempo a montanha sempre presente os atraiu e passaram a colonizá-la. Logo se mostrou impossível chegar ao topo. Na montanha aprenderam a escalar com os enormes bodes cinzentos que lá viviam também e desenvolveram uma arma extremamente útil para a escalada, a kcaj, misto de bastão de escalada, porrete e lança. Hoje é uma arma mais ritual que prática, pois aquele povo já conhece o aço há gerações.


Quando foram descobertos gigantes morando a certa altura da montanha, os anciões decidiram que estes deveriam ser deixados em paz, pois eram habitantes mais antigos que eles próprios. A princípio parecia que iria tudo bem, mas um dia os gigantes desceram em quantidade da montanha e arrasaram a vila, matando muito poucos, no entanto. Refeitos do susto e tendo escorraçado os gigantes, os bárbaros montanheses decidiram subir a montanha e exterminar os gigantes, para garantir o futuro de sua própria gente. Mas os gigantes, melhores conhecedores do terreno e lutando em terreno mais elevado, levavam vantagem e a luta entre as duas raças durou séculos, pois nenhum dos dois grupos queria fazer uma investida total sob o risco de deixarem suas mulheres, velhos e crianças desprotegidas. Como os humanos se reproduziam mais rápido, possuíam melhor oferta de suprimentos e eram mais engenhosos terminaram por riscar os gigantes do mapa da ilha.


Os bodes cinzentos ocupam uma posição importante na cultura destes bárbaros. Os bodes mostraram como subir melhor, seu couro serve de abrigo para o frio, seus cascos e chifres de enfeites e quando o jovem bárbaro atingia treze anos tinha de subir a montanha até encontrar um grande bode e matá-lo sem armas. Esses bodes não são presa fácil, pois pesam algo em torno de cento e cinqüenta quilos, subiam montanha acima a cinqüenta quilômetros por hora, desciam a oitenta e suas cabeçadas podiam tanto partir pedras quanto arremessar um homem forte para um dos abismos das montanhas. Não se era obrigado a matar um dos grandes, mas voltar com um pequeno era mal visto e matar fêmeas e filhotes só para salvar a própria vida. Dentre as tatuagens tribais, a cabeça de bode com chifres recurvados é motivo recorrente.


A montanha também era muito importante, pois era a coisa mais alta que conheciam, moravam nela, dela retiravam boa parte dos alimentos e a água potável escorria por ela. Na montanha eles escalavam todos os dias a trabalho ou por diversão, geralmente sem usar as mãos e a montanha os tornou duros e fortes.


Ainda assim, estes bárbaros sem nome não cultuavam um deus bode, ou um deus montanha. E sentiam falta disso. Em geral cultuavam a natureza e se sentiam gratos quando o dia acabava e eles permaneciam vivos.


Setenta e sete gerações atrás o melhor escalador da vila era um grande guerreiro chamado Odracir. Depois de passar por todo o tipo de provas e cumprir com seus deveres para com a tribo, já em idade avançada, Odracir decidiu subir a montanha até o cume. Como jamais retornou, foi considerado deus por seu povo, que passou a chamar seu lar de Ilha de Odracir e a se apresentarem como Odracírios, que significa “parentes de Odracir” na sua língua natal, a megaieluf.


É um fenômeno moderno ainda não explicável por nenhum sábio o que leva muitos dos jovens odracírios a se tornarem aventureiros. Quase todos os que decidem sair da ilha não retornam, e os que retornam costumam se sentir pouco à vontade em sua própria terra e acabam por deixá-la novamente. Mesmo assim os aventureiros que retornam são bem recebidos e bem tratados até que partam novamente. O mesmo não ocorre com visitantes, que são, em geral, escorraçados.


Qualquer criança sabe surfar na Ilha de Odracir, mas desde cedo lhes é mostrado que é mais importante saber lidar com a montanha. O surf é algo em segundo plano, se comparado com as várias modalidades de escalada. O odracírio médio, se conhecedor do terreno, pode escalar sem usar as mãos.


As tatuagens dos odracírios são rituais. Cada tatuagem conta uma parte da história do homem, sendo a primeira tatuagem algo relativo ao bode cinzento que matou ao completar treze anos. Outras tatuagens dizem respeito à profissão, que pode ser a de ferreiro ou guerreiro, um inimigo importante caído, um grande feito, um casamento ou o advento de filhos. Não existe uma hora para se deixar de se tatuar.


Ainda que possuam um baixo nível tecnológico e nenhum mago ou clérigo entre eles, não são bárbaros imbecis. São de modos simples e ainda seguem aquele antigo código, que é respeitado pela maioria dos animais, que prega que fêmeas, velhos e crianças devem ser poupados e protegidos, a menos que ameacem a sua própria existência.


Quando não estão praticando escalada ou lutando uns com os outros, com algum inimigo ou com os bodes, o odracírio passa um bom tempo meditando na montanha. Os aventureiros costumam subir em telhados ou coisas mais altas para meditar, mas não em árvores, que não servem para a reflexão. Isso somado uma grande curiosidade, comum a toda a tribo, talvez explique o rápido aprendizado do odracírio que busca aprender alguma coisa sobre aquilo que não existe em sua terra natal.

Os odracírios aventureiros não comparam nenhuma terra com a sua, nenhuma montanha coma a Montanha de Odracir, de maneira que podem ser encontrados em qualquer lugar. Afirmam que só a Ilha de Odracir é singular, e todos os outros lugares se parecem uns com os outros. Assim sendo, não evitam qualquer lugar por considerarem todos a mesma coisa.
O mesmo não acontece com os bárbaros e os filósofos. Os odracírios os consideram parentes de outras pessoas similares a Odracir, e prestam homenagens a estes, se possível.


As variações de humor dos odracírios é muito difícil de ser prevista. Tanto podem se portar como os filósofos da montanha quanto como os bárbaros que são. Aparentemente, não há um intermediário entre o debater o e bater, o que leva uma conversa civilizada a uma pancadaria generalizada de um instante para o outro. Os odracírios lutam para se divertir tanto quanto outros povos bebem ou cantam.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho que eu nunca vou entender a lógica do RPG.Acho que é mais um questão de não querer entender mesmo.
Beijos barba negra.