quinta-feira, 30 de abril de 2009



Dia 29/04/2009, aproximadamente às dez e meia, uma manhã de quarta-feira, faleceu Rosamélia Olinda de Stéphano e Aguiar, minha avó e mãe da Mamma. Recebi a informação pelo telefone e quem me ligou foi o Irmão Rafael, logo seguido da Mamma, me dando informações gerais sobre o caso. Eu havia acordado há pouco tempo e estava pensando no que fazer quando fui tomado de assalto por essa informação. Tinha de resolver tudo depressa para poder ir ao velório.

Mandei a mãe das crianças pegá-las e levar para sua casa. Exceto por aquele dia, só teriam aulas segunda-feira, pois na quinta-feira era entrega de boletim e sexta-feira Dia do Trabalho. Foi ao trabalho, expliquei o que vinha acontecendo e de lá ao velório, na Funerária Canaã, ao lado do Cemitério São João Batista.

Destaque para a reação da Talita, que correu por uns cem metros em desabalada carreira para me achar no caminho da rua e poder me abraçar, oferecer apoio e dar pêsames.

Me distraí no ônibus e passei um bocado da parada. No caminho eu pensava muito em muitas coisas. Coisas caóticas, para falar a verdade. Eram tantos pensamentos, soltos e loucos que eu não os posso descrever. Haviam, também, sentimentos atrelados a esses referidos pensamentos, que são ainda mais complicados de explicar.

Mas eu estava bem, no entanto. Mal mesmo eu fiquei quando vi o corpo da velhinha. Me ocorreu o tempo que a gente deixa de visitar alguém, até que ela morre e você não pode mais ir vê-la, nunca mais. As coisas que você poderia ter dito e não disse e agora só pode torcer para que esta esteja em um lugar em que seja permitido escutar tais coisas. Aquilo que você poderia ter feito a mais e não fez.

Além disso, a Mamma estava arrasada. Já estava em depressão há algum tempo e agora estava ficando louca. Uma médica apareceu lá em algum momento e medicou esta e mais um tio e uma tia meus. O remédio não era para dormir, mas para acalmar. Com a Mamma mais calma, comecei a reparar nos arredores e vi tudo aquilo que a gente só vê em enterros e velórios: parentes que você não conhece, que não lembra ou aderentes, antigos visinhos de rua que ficaram sabendo pela Rádio Difusora do falecimento, das brigas de parentes próximos, que não estão ali porque seria problema garantido, de alguém que ficou completamente desamparado com a morte e possivelmente não terá mais nem aonde morar, de empregadas que eram realmente fiéis à patroa e que no momento choraram copiosamente e ficaram sem dormir até o momento do enterro, no meio da manhã seguinte...

Muita coisa é minha opinião e prefiro não expor aqui, mas se uma coisa deve ser dita, é que a morte nos faz lembrar que o nosso tempo é limitado e que temos de fazer o possível enquanto é tempo. Claro que isso não quer dizer que você deve fazer de tudo antes da morte, mas deve hesitar menos, relevar mais e procurar ser feliz, mesmo sabendo no íntimo que isso é impossível.

Outra coisa que posso dizer sem sombra de dúvida: a presença dos amigos no local fez toda a diferença, pra mim e pros meus parentes. Amo vocês!

Permaneci lá no velório mais ou menos das três da tarde às onze da noite. Fui com o Rafael pra casa, aonde tentamos nos distrair um pouco antes de dormir. Comi algo e dormi das duas às seis da manhã.

Antes de mais nada fui acordar o Irmão Rafael para depois meter uma roupa para ir ao enterro. Comi três bananas e bebi uma caneca de café-com-leite. Logo estávamos à espera do táxi e chegamos algum tempo depois à funerária. Chovia forte. O tempo passava de forma estranha e não era por causa do cansaço.

Ao chegar ao local e ver minha avó, reparei que havia colocado em seu pescoço um terço de contas de vidro que eu havia lhe feito anos atrás, quando trabalhava com bijuterias, era casado, não sabia o que era morar no São José e só tinha um filho ainda muito novo. Voltei a chorar muito e em ondas, me lembrando de coisas que não havia pensado ontem. Estava ali um pedaço de um tempo mais gentil para mim e para ela, pedaço este que seria sepultado em poucas horas.

Aconteceu uma extrema-unção, coisa de católico, com Frei Fulgêncio, uma das personalidades mais marcantes da cidade, realizando o ritual. Não tenho religião, mas tenho fé em Deus e as palavras ora me tocavam hora não me diziam porra nenhuma, o que funcionou como uma montanha-russa sentimental pra mim.

Os homens carregaram o caixão, que ao ser tampado causou um pequeno desespero na Mamma. Eu era um dos que iam à frente. Colocamos o receptáculo num carrinho que o transportou até lá fora, aonde um rabecão o esperava. Coberto com as coroas de flores, ficou muito bonito o caixão. Voltei a ver alguns amigos da noite anterior, tais como a empregada fiel, além de mais parentes conhecidos e desconhecidos, mas muito menos gente que no velório. Melhor assim, mas a Mamma estava incomodada com a falta que o Irmão Rômulo estava fazendo.

Já no cemitério, com a chuva quase parando, tivemos um pouco de dificuldade para encontrar o local de repouso do corpo. Quando o encontramos uma nova picuinha começou, sobre aonde deveria ser enterrado: junto da mãe dela ou do falecido marido? O fato era que estava tudo certo para que a vovó ficasse com a sua mãe, como estava já um de seus seis filhos, morto há dezesseis anos acho, o tio Jorge, mas começaram a debater que ela deveria ser enterrada no jazigo da família, aonde estava seu marido e alguns dos nossos antepassados.

Também achava isso, mas o fato é que era um túmulo da família também, não há importância se o corpo é enterrado aqui ou alguns metros mais ali e quem viesse rezar pela vovó rezaria pela bisavó e pelo tio. Mesmo assim, isso foi uma fonte de comentários chatos que, graças à Deus, não terminaram em nada de mais.

No cemitério carreguei o caixão à frente mais uma vez, com mais alguns homens da família. Irmão Rafael entre eles. Logo chegou o Irmão Rômulo e este pôde conversar com todos e ver o caixão antes de baixar à sepultura. Tio Laerte foi comprar velas e alguns acenderam algumas. Rezamos e foi só. Foi meu primeiro enterro.

Dali, voltei à vida cotidiana. Dormi das onze às doze da manhã, almocei, fui pegar o boletim escolar das crianças e então ao trabalho, aonde escrevi isso quando tive tempo. Vou andar de preto um tempo, em sinal de luto, mas amanhã aparo as garras, corto o cabelo, faço a barba e vou ao cinema com amigos. Sei que a vovó não liga e até aprovaria.

Sei que a vovó estava preparada para morrer por causa de uma conversa que eu tive com ela no dia em que estive no hospital. Ela, que sempre reclamou da vida que levava, estava tranqüila e lúcida como sempre. Na hora, não entendi isso, mas agora, olhando em retrospecto e lembrando a conversa, sei que ela estava em paz. Lembro-me que ela me parecia sempre triste quando eu era garoto e um dia lhe perguntei porque ela não sorria. Ela sorriu e essa foi a resposta. Desde que seu marido, vovô Gualter, morreu, que a vovó era assim. Quando mais velho, ela me explicou que ela se considerava rica ao lado dele e que desde então só esperava a morte vir lhe buscar. O vovô morreu meses antes de eu nascer e já havia comprado todo o meu enxoval. Fui o primeiro neto, mas além dos bisnetos, não sabia quanta alegria havia dado à ela. Não respondi bem às expectativas, não me formei antes dela ir, ao contrário de todos os outros netos que vieram depois de mim, contando com todos os primos e todos os Irmãos, mas ela disse à Mamma que eu era um parceirão dela, o que me enche de lágrimas ainda agora. Ter sido companheiro de alguém que só esperava a hora de se reunir com seu marido é uma honra!

Mas claro, isso reafirmou em mim a vontade de fazer minha vida valer alguma coisa a mais, ao mesmo tempo que fez mais forte a impressão terrível de que terminarei meus dias exatamente como minha avó, sem alguém especial do meu lado, uma companheira, uma mulher. Sinto isso desde sempre. Só passou por um período de dez meses entre 2007 e 2008.

O fato é que se a minha avó não parou mesmo passando por isso durante trinta e dois anos eu é que não vou parar. Ainda não estou com a minha mulher ideal, afinal...

Minha avó, eu e o Irmão Rômulo fazemos aniversário dia vinte e um de agosto. Costumávamos comemorar os aniversários todos de uma vez e vai ser estranho não ter ela por perto neste ano. Foi a vovó Rosa quem me deu as primeiras camisas de caveira e dos parentes mais velhos foi quem jamais me criticou por usar brinco ou alfinete de segurança na orelha, deixar os cabelos espetados com sabão ou compridos, me vestir de preto e só calçar botas ou qualquer coisa assim. Ela entendia que eu estava procurando o meu lugar.

Até mais tarde, vovó!

Um comentário:

Anônimo disse...

não sei o que dizer...
acho que uma atitude vale mais que mil palavras.
;)