quinta-feira, 9 de abril de 2009


Este conto eu escrevi aos trinta anos e publiquei em um Sucupiras que havia antes deste. É baseado em um jogo de RPG que rolou numa tarde de domingo, na casa da Mamma, aonde só jogaram amigos, amiga e o Irmão Rômulo. Está coalhado de erros de português, mas preferi não mexer no texto. Tudo aqui é puramente fictício, exceto o Mal, a degradação humana e uma outra coisa.


A Casa de Chá


Neste final de semana eu fui buscar uma caixa com um doutor nazista que era especialista em criptozoologia e microbiologia. Este estava em uma ilha de formação vulcânica, cujos habitantes eram pescadores xenófobos e chatos. Consegui ir parar lá com ajuda de uma agência não governamental que sabe uns podres meus e de alguns colegas que me foram apresentados naquele mesmo dia.


Um era homem branco, um metro e oitenta, ex-fuzileiro e iria ser nosso guarda-costas. Outro era um negro faz-tudo fortão, que conhecia alguma coisa sobre o homem que iríamos encontrar. Havia ainda uma mulher, não sei bem o que ela fazia lá. Eu era o especialista em monstros e magia em geral. Eu não sou um mago, isso é um erro comum, eu só reconheço a magia quando eu vejo, sei o que faz se for relativamente comum e o que eu posso fazer para evitar o pior, também não tive um monstro de estimação e o único monstro que vi até então me traumatizou profundamente. Eu sou um nerd de 42 anos!


Chegamos na tal ilhota e não vimos ninguém. Estava tudo silencioso e escuro, como se todos tivessem ido embora, mas eu não me preocupei com isso, porque estava chovendo como não chovia há anos e havíamos passado seis horas sendo jogados de um lado para outro em um barco pesqueiro para chegar até ali. Acho que esqueci de dizer também que sou preguiçoso e que disse para o negro, que tem o mesmo nome que eu - John - ser o líder da expedição, para que eu não tivesse de preencher a papelada que viria depois, mas sutilmente o comandava através de conselhos bem dados. Saímos debaixo de chuva assim que eu o convenci a arrebentar uma espécie de dispensa enorme, contígua à uma casa e depois de pô-lo para ficar de guarda, junto com o “fuzileiro”, fui dormir o sono dos justos, entre iscas de peixe e ratos.


Pela manhã chovia ainda mais que no dia anterior, se é que isso era possível, com direito a raios e trovões assustadores. Água, água e mais água. O outro John arrombou uma porta que levava para dentro da casa colada ao galpão de mantimentos para conversar com os moradores, logo após bater por uns cinco minutos inteiros e não obter respostas. Qualquer coisa, estávamos andando ainda com mil e seiscentos dólares que haviam sobrado dos dois mil que nos entregou a agência conhecida apenas por Casa de Chá.


Ninguém apareceu. Começamos a andar pela casa e os homens de ação sacaram seus revólveres. Cada um de nós recebeu uma Colt .45, com ordens de não atirar senão em caso de grande necessidade. Apesar de saber atirar muito bem, jamais atirei em nada além dos alvos nos campos de tiro e esperava que continuasse assim.


Eu não gosto de computadores. Sou mais antigo que os computadores pessoais e gosto de pesquisar em livro e desconfio da informação da Internet. Meu equipamento se resumia a papel, caneta, lanterna e arma. Fui eu quem lembrou de que carregávamos lanternas e acendi a coisa para ver por dentro da casa, que estava escura como o inferno. Ninguém aparecia, mesmo com o outro John chamando, chegamos em um quarto e o abrimos, nada, entramos, nada, iluminamos, nada. Nada exceto um cheiro de carne podre.


Andamos pelo aposento e todos se assustaram muito quando o outro John deu um tiro no chão. “O que?” perguntei. “Vocês viram isso?” foi a resposta.


- O que foi que você viu, caralho?

- Um zumbi!

- Um zumbi? Um zumbi de verdade? Cadê?

- Debaixo da mesa! Tentou comer minha bota


A sala era só bancadas, como uma oficina. Superexcitado com a descoberta, me afastei o mais que eu pude da bancada do zumbi para olhá-lo debaixo da mesa. A criatura estava imóvel, finalmente morta, mas aí outro zumbi veio da bancada mais próxima à minha e tentou se abraçar comigo. Mais do que depressa, meti o cano da Colt .45 na boca dele e explodi-lhe a cabeça. Nem me lembro como foi que a arma foi parar lá tão depressa, nunca me movi tão rápido, nem quando eu era menino. Mas aí foi a vez do cérebro trabalhar rápido: percebi que o barulho atrairia outros, já que o morto do outro John não era um caso isolado, que a vila estava desabitada porque seus habitantes sofreram a conversão maldita e que existem muitas maneiras de se produzir um zumbi, mas em grande quantidade só maldição ou vírus e daí lembrei que o bom doutor que iríamos encontrar era especialista em criptozoologia e em microbiologia.


- Temos de sair rápido daqui e sem barulho, mas mortos virão rápido para cá.

- Tem mais?

- Sim, com certeza. Somem dois mais dois: a agência trabalha com o oculto e nosso doutor é microbiólogo e criptozoólogo. Foi ele quem criou estas coisas, e por vírus.


Quando estávamos para sair, o outro John ouviu um gemido. De alguma maneira, ele sabia que não eram mortos e gritou que a ajuda já havia chegado. Depois de uns dez segundos, que pareceram uma eternidade, uma voz de garotinha deu graças à Deus e abriu a porta do quarto ao lado. Ela tinha um atiçador de lareira na mão.


A garota nos contou que a irmã disse que iria cuidar dos pais e lhe pediu que se trancasse até a ajuda voltar. Antes que algum bocudo começasse a falar, eu disse que o pessoal da vila já estava sendo evacuado, que é por isso que não havia ninguém.


Mas o pior estava por vir. O outro John, sempre ele, decidiu dar uma de chefinho e não ouviu o meu conselho de sacar fora de lá. Simplesmente não estávamos equipados para uma empreitada como essa, eu disse, sou o especialista, eu disse, mas não quiseram me ouvir. E ainda iríamos levar a garotinha conosco montanha acima.


Acho que não mencionei, mas há uma pequena montanha no centro da ilha e o nosso bom doutor ficava lá no topo. A montanha é cercada por uma floresta de coníferas e tem uma estrada de barro, pouco mais larga que um carro, circundando ela. Como o monte era muito pouco íngreme, não havia paredões de lado algum da estrada, o que poderia significar ataques por todos os lados.


O nosso ex-fuzileiro não era de falar muito, mas manjava de mecânica. Logo ele arrumou um carro para todo o tipo de terreno, devidamente fechado, para nos levar até lá em cima. Arrumou como pôde o motor que engasgava debaixo de uma chuva colossal e nos mandamos dali. Até que eu me sentia seguro, mas no meio do caminho o carro enguiçou de vez.


O mecânico deu uma olhada e chegou à seguinte conclusão: poderíamos resolver, mas levaria uma hora e estaríamos desprotegidos e sem visão clara do inimigo. Fiquei muito nervoso e disse que não havia o que pensarmos, que teríamos de ir embora naquele instante e o pessoal começou a me seguir novamente, ainda que inconscientes da minha liderança, mas aí aconteceu algo terrível. A imbecil da garotinha avistou a irmã e começou a gritar e a correr na sua direção. A irmã não tinha um braço e qualquer expressão de reconhecimento no olhar, mas andava em direção à pequena assim mesmo.


Tudo aconteceu muito rápido. O ex-fuzileiro atirou na testa da garota-zumbi e a sua irmãzinha gritou como se houvessem lhe amputado um pé. Imediatamente, percebemos um grande número de monstros vindo em nossa direção, por todos os lados, e o carro não era lugar para a gente se esconder. Teríamos de lutar, e meus colegas começaram a disparar no tronco dos mortos, que não se detinham, enquanto em gritava “é na cabeça, bando de filhos da puta!”, mas errava o meu disparo. O pior é que o meu xará John parecia que iria surtar com toda a loucura, o ex-fuzileiro tentava alguma coisa enquanto que a nossa colega de equipe corria atrás da menina, que desapareceu entre as árvores. Eu ajudei o único que estava fazendo alguma coisa direito a abrir caminho à bala e corri entre os cadáveres ambulantes, mas meu colega ficou para trás, tentando soltar o outro John, que estava sendo agarrado por três daqueles desgraçados podres. Eu me detive um instante e disse “parem de fazer barulho e corram por aqui”.


A mulher desapareceu atrás da menina, o nosso homem de armas se viu cercado com as balas acabando, John foi mordido no braço e eu tinha apenas um perseguidor, mas este era diferente, pois corria tanto quanto eu, que me cansava rápido. O terreno era uma merda e o barro estava muito fofo e escorregadio por causa da porra da chuva, que não parava por nada. Os raios eram tão barulhentos que a gente não ouvia nada e quase que não dava para perceber os disparos das armas. Eu estava gritando mais uma vez “corram” quando o monstro tropeçou e se pendurou na minha cintura, me mordendo imediatamente na altura das costelas. Explodi a cabeça dele, mas já ciente de que estava contaminado. Não me permiti nem por um instante pensar em como seria a não-vida de um cadáver ambulante e faminto, com a firme convicção de que o bom doutor deveria ter algum antídoto lá em cima do monte. Ou ele me curava ou iria morrer, o miserável.


Não sei bem como foi que aconteceu isto, mas o fato é que meus companheiros me alcançaram. A mulher voltou com a garotinha e o nosso guarda-costas havia decepado a própria mão para evitar a infecção. Eu faria o mesmo, mas fui mordido nas costelas. Foi então que entramos, dominamos o nazista que entre outras coisas era médico e começamos a tratar de nossas feridas. A mulher entendia algo de medicina.


Depois de ser desarmado e contido por meus colegas, ouvimos a história do bom doutor. Este era um “desertor” da Casa de Chá que afirmava haver grupos rivais em conflito dentro da organização. Uma das facções o obrigou a criar uma arma biológica, um vírus, que anima os mortos e que passam a ser os transmissores da doença. O primeiro experimento havia acontecido em uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos e o único sobrevivente havia sido, vejam só, o outro John, que sobreviveu comendo carne humana durante um mês, coisa que foi veementemente negada por nosso agente. Ele disse ainda que foi a facção separatista que nos enviara atrás dos documentos sobre como criar seus vírus, pois apenas estes sabiam de sua existência, mas eu não acreditei em uma só palavra. Para mim o mais importante era que o antídoto estava além do alcance, em um barco no cais.


Como o relevo é inclinado e os mortos não têm coordenação decente, sua tendência é a de descerem o monte e de ficarem na área do sopé do monte e dentro das casas, mas com todo o barulho que fizemos, eles estariam tentando subir o monte agora mesmo. Se tentássemos descer até o barco, teríamos de lutar com uns cinqüenta deles que já estavam na porta da frente da casa, batendo, com o clima ruim e com a estrada péssima até chegar na cidade, encontrando o resto dos antigos habitantes da vila no caminho.


Fiquei profundamente abatido e nem minha arma eu tinha mais para fazer alguma coisa a respeito. Comecei a dizer, meio que de mim para mim, que tudo o que estudei não servia para nada, não construí nada e nem escrevi um livro. Todo o conhecimento simplesmente se acabaria comigo. Voltei-me para o doutor e lhe pedi que me dissesse tudo o que poderia falar a respeito dos mortos. Eu queria aprender. E ele me contou alguns fatos, como quem atende a um moribundo.


Havia um carro na garagem, mas era um carro antigo que não passaria nem pelo “pessoal” que estava no quintal. Daí eu joguei tudo pro ar e tive uma idéia própria de quem já aceitou a morte.


Eu iria tentar atrair os mortos para longe da casa, saindo por onde não fosse visto para então atirar chamando toda a atenção possível. Com sorte, os mortos de afastariam da casa o suficiente para que eles fugissem no carro até o cais e daí para o barco, com antídotos e o mar à frente. Eu seria destroçado muito rapidamente, não tinha medo da dor, além disso esperar para me tornar uma daquelas coisas não estava nos meus planos. De qualquer maneira eu iria morrer, já era certo.


Algo aconteceu, não obstante. Os mortos preferiram correr por dentro da mata, deixando o caminho livre para o carro passar por mim e me pegar. Foi, simplesmente, um milagre. Depois fiquei sabendo que o soldadinho não queria que retornassem por mim, mas o fizeram, ainda que não parassem o carro por completo. Abriram uma porta e eu me joguei lá dentro.


Ao chegar no cais pela primeira vez reparamos em um barco de pesquisa, muito diferente dos pesqueiros locais. Fomos lá para dentro, demos partida no veículo e fomos medicados com o antivírus. O remédio doeu mais que a dentada do zumbi e a reação alérgica que se seguiu me deixou sem sentidos, mas melhorei.


O resto é história.

Um comentário:

Anônimo disse...

Desculpa,não li todo o post,to com um pouco de pressa.
Sem internet,sem musica e agora?
Comofas "/
To triste por voces.
de verdade;