terça-feira, 13 de maio de 2014



Diabo no Couro – Parte 1

Geanderson era um cara bastante tatuado, mas suas tatuagens eram facilmente ocultadas por suas roupas de trabalho. Ainda que em seu escritório fossem bastante tolerantes com seus piercings no lábio inferior e alargadores nas orelhas, sempre sentira que não gostariam de lhe olhar as tatuagens.

O desejo de ter uma tatuagem que ficasse sempre em evidência era crescente, mas não queria tatuar as mãos ou o rosto. Essas eram as partes que ficam sempre expostas, mesmo no trabalho. Até seu pescoço era parcialmente coberto pela gola apertada pelo nó da gravata.

Começou a imaginar algo pequeno e discreto, só pra ter a tal tatuagem evidente. Com o passar do tempo, concluiu que gostaria de ter um pequeno demônio atrás da orelha esquerda, como se este lhe influenciasse com palavras, todo preto, exceto pelos olhos e dentes, que deveriam ser os mais vívidos possíveis.

Os tatuadores de sua cidade lhe disseram que uma tatuagem tão pequena não iria ficar nítida, daí Geanderson foi para Los Angeles, vanguarda de tintas e técnicas de tatuagem. Usou os serviços de um tatuador de técnica supernítida que fez seu diabinho totalmente preto, exceto pelos dentes e olhos em tinta branca, como ele queria. O tatuador – Mark – ainda lhe explicou que a tinta branca brilharia à luz ultravioleta, mas que o branco esmaeceria mais rápido que o preto na tatuagem. Geanderson agradeceu e lhe lembrou que, uma vez que o branco estava envolto por negro, sempre estaria destacado.

Adorou sua tatuagem. Ela tinhas uns três centímetros quadrados, mas que detalhes! Foi muito além da expectativa. Já pensava na próxima tatuagem que faria em Los Angeles.

Aproveitou que estava nos Estados Unidos para fazer compras. Era um cara solitário e por isso mesmo não precisava se preocupar em comprar coisas para amigos e parentes. Foi à shoppings e ao Centro, mas não sabia exatamente o que comprar. Rodava a cidade mais olhando uma grande coleção de pessoas. Por não saber sequer o que procurar, foi para o hotel mais cedo. Não considerava a gringa uma boa opção de turismo: todas as cidades se pareciam.

Pediu um espelho menor na recepção para poder olhar seu monstrinho pessoal. Era mesmo lindo. Seus olhos sinistros e seu sorriso, algo entre o divertido e o sádico, lhe fascinavam. O vermelho em torno da tatuagem diminuía e ele passava hidratante no local, o que era um tipo de relacionamento com a arte em sua pele.

Era o seu bebê.

Resolveu fazer algo que nunca fez com tatuagem alguma. Daria um nome para o cãozinho. Quando se sentisse solitário, conversaria com ela. Se fizesse algo errado, brincaria que foi o diabinho quem lhe deu a ideia. Já estava antecipando a reação do pessoal do escritório com um franco sorriso nos lábios.

Dormiu cedo. Não descansara no avião ou durante o dia subsequente.

Ficou quieto na cama, as mão atrás da cabeça, de olhos fechados. Pensava em como a vida que escolhera lhe dava liberdade para viajar, para estar onde está, de deitar sem tomar banho, com a roupa que chegou da rua, quando ouviu um som vindo da porta. Era como se a fechassem com cuidado, para entrar despercebido. Olhou e não viu ninguém. O quarto estava escuro e apenas a luz de uma pequena fresta na janela lhe permitia ver qualquer coisa. Como iluminava apenas sua cama, atrapalhava mais do que ajudava. Ficou quieto enquanto seus olhos se ajustavam.

Via qualquer coisa em frente à porta, como uma pessoa parada.

Ficou olhando, esperando um movimento. Só podia ser ladrão. Estava pronto para lutar, mas queria fazer o outro pensar que dormia. Nenhum dos dois movia um músculo.

E se ele estiver armado?

Resolveu se mexer. Sentou lentamente na cama, ainda encarando o intruso estático. Nada. Se levantou, o coração batendo na garganta, e um segundo ser de trevas somou-se ao primeiro. Aí percebeu que era só uma sombra de algo projetado pela luz da janela. Rindo consigo mesmo, olhou para o lado da janela para ver o que produzira essa sombra funesta.

Uma criatura negra como a noite em dia de lua nova lhe sorria no escuro do quarto. Com o horror lhe gelando a espinha colidiu com a cama, o que o derrubou no chão. O quarto começou a girar enquanto o monstro invasor se inclinava em sua direção. Nem vira quando a coisa se aproximou, ou como o fez. Com uma mão nos joelhos flexionados e outra em concha, sussurrou quase imperceptivelmente uma única palavra.

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