Juízo
Final – Parte 4 – As regras
Depois
do isolamento a luz de um novo dia os atingia em cheio. Os olhos doíam, mas
estavam todos agradecidos. Foram imediatamente conduzidos a uma sala localizada
em uma área restrita a funcionários. Todos os ocupantes do DB da Cidade Nova
estavam naquele local.
Menos
o homem doente que estava no frigorífico com Luiz e a família sob seus
cuidados. Esse nunca mais foi visto ou ouvido.
-
Muito bem – começou o Gerente – Vocês precisam conhecer as regras. Aqui mandam
os funcionários do DB. Vocês estão aqui por uma cortesia nossa, portanto
precisam se comportar como convidados. Vamos manter vocês enquanto pudermos,
mas terão de trabalhar. A maioria dos nossos homens trabalha na segurança e eu
na coordenação, vocês irão fazer outras funções. Não serão funções fixas: vocês
serão “faz-tudo”. Eu mando e vocês obedecem. Se algum dos funcionários pedir
algo para vocês, obedeçam, porque provavelmente têm meu aval. Se não puderem
seguir esses comandos simples irão ser expulsos. Fui claro?
Houve
um momento de silêncio onde todos pesavam os prós e contras. Não durou muito,
pois o Gerente repetiu bem mais alto sua pergunta. Todos concordaram, mas Luiz
notou que um dos guardas mais jovens, um com cara de galeroso, olhava
cobiçosamente para a menina mais velha do finado Ismael. Imaginava que tipo de
trabalho esse funcionário iria pedir para a garota desempenhar.
Nos
próximos dias tomou mais cuidado com as garotas. Falou com a mãe e a avó delas
de suas especulações, mas estas sempre estava cientes de que eram “carne
fresca” naquele lugar. A garota mais velha tinha 14 anos e isso podia fazer com
que ela mesma procurasse ter sexo com um dos funcionários mais jovens. No mais
os dias se passavam com limpezas, verificações de barricadas, serviços na
cozinha e verificações do estoque de alimentos. Com a energia há muito tendo
acabado, tudo o que era perecível se fora. Carnes, iogurte, queijo... tudo isso
não existia mais e se imaginava que jamais se conseguiria de novo, mas Dona
Maria Antônia lembrava que ainda existia gente que sabia caçar, pescar e
preparar a caça, de modo que deveria haver também gente que ainda produzia até
vinho.
O
pior de tudo era a falta de informação. Trancados ali, sem TV ou Internet, não
se sabia a extensão do estrago. Isso estaria acontecendo em todo o mundo? Como
estariam lidando com isso, digamos, no Oriente Médio ou em Serra Leoa, onde as
pessoas aprendem a atirar antes de amar? Estriam desenvolvendo uma vacina em
algum lugar do mundo? Estariam os EUA prontos para bombardear países vizinhos
para evitar a entrada de zumbis pelo México e Canadá? Estaria um lugar tão frio
quanto o Canadá infestado de mortos-vivos ou eles simplesmente congelariam?
Luiz
sentia muito mais falta, no entanto, da diversão que a Internet podia proporcionar.
Em Manaus esse serviço nunca era muito bom, mas dava para se assistir filmes e
seriados, ter videogames e entrar num chat a qualquer momento, mesmo por
celular. Agora nem a função básica do celular – ligar para alguém – era
possível. Sem bateria, não podia nem mesmo olhar as fotos da viagem à Fortaleza
que fizera com seu namorado no ano anterior. O relacionamento entre eles
acabara muito antes dos mortos voltarem para tomar o mundo dos vivos de
assalto, mas agora percebia que ainda gostava dele.
A
comida boa estava acabando. Aquilo que estava com o prazo de validade por
vencer ou vencido há poucos dias era comido pelos “convidados” e a comida boa
ficava pros funcionários. Se alguém tivesse que ficar doente, que fossem os que
chegaram por último, invadindo. Os “donos” do lugar deveriam estar sempre
saudáveis. Mas quando percebessem claramente que a comida iria acabar, o que
fariam?
Não
demorou muito para descobrirem.
Aproximadamente
dez dias depois de chegarem ao DB da Cidade Nova ficara claro que a comida não
duraria mais uma semana, mesmo com racionamentos. O estoque estava baixo quando
tudo começou. O Gerente chamou todos à mesma sala em que aconteceu a reunião seguinte
ao isolamento no frigorífico. Sem rodeios, disse que precisavam de mais comida,
bebida e outros possíveis suprimentos, como remédios e até gasolina para o
gerador. Ele havia escolhido algumas pessoas para irem ao exterior buscar esses
bens de consumo e Luiz estava entre eles, mas o resto da família não. Dona
Maria Antônia disse que ela e sua família precisavam de Luiz e que este não
poderia ir e deixá-las desamparadas, ao que o Gerente disse que todos tinham de
se sujeitar às regras. Nesse ponto, Antônia simplesmente reuniu sua família num
pequeno círculo e começaram sua própria reunião. O Gerente ainda protestou por
elas não estarem prestando atenção ao resto na conversa, mas a velha
simplesmente o olhou abanou a mão direita num gesto de “me deixe em paz”.
Luiz
ficou realmente emocionado pela consideração de Dona Antônia. Pensava na morte
certa que o aguardava lá fora e que dificilmente encontrarias qualquer coisa,
que se encontrasse não deveria estar bom e que se tudo isso fosse possível
ainda teria de voltar em segurança pro interior do supermercado. Achava
praticamente impossível que tudo saísse bem e imaginava que o melhor seria
seguir seu caminho e ir para um outro lugar, pois seriam imediatamente seguidos
por uma manada de mortos-vivos que o impediriam de dar a meia-volta aonde quer
que fossem. Nem prestava atenção à conversa do Gerente.
Foi
despertado do seu estupor quando Dona Maria Antônia interrompeu o monólogo do
Gerente dizendo que iria com o grupo ao exterior.
CONTINUA
SEMANA QUE VEM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário