segunda-feira, 20 de maio de 2013


Juízo Final – Parte 4 – As regras

Depois do isolamento a luz de um novo dia os atingia em cheio. Os olhos doíam, mas estavam todos agradecidos. Foram imediatamente conduzidos a uma sala localizada em uma área restrita a funcionários. Todos os ocupantes do DB da Cidade Nova estavam naquele local.

Menos o homem doente que estava no frigorífico com Luiz e a família sob seus cuidados. Esse nunca mais foi visto ou ouvido.

- Muito bem – começou o Gerente – Vocês precisam conhecer as regras. Aqui mandam os funcionários do DB. Vocês estão aqui por uma cortesia nossa, portanto precisam se comportar como convidados. Vamos manter vocês enquanto pudermos, mas terão de trabalhar. A maioria dos nossos homens trabalha na segurança e eu na coordenação, vocês irão fazer outras funções. Não serão funções fixas: vocês serão “faz-tudo”. Eu mando e vocês obedecem. Se algum dos funcionários pedir algo para vocês, obedeçam, porque provavelmente têm meu aval. Se não puderem seguir esses comandos simples irão ser expulsos. Fui claro?

Houve um momento de silêncio onde todos pesavam os prós e contras. Não durou muito, pois o Gerente repetiu bem mais alto sua pergunta. Todos concordaram, mas Luiz notou que um dos guardas mais jovens, um com cara de galeroso, olhava cobiçosamente para a menina mais velha do finado Ismael. Imaginava que tipo de trabalho esse funcionário iria pedir para a garota desempenhar.

Nos próximos dias tomou mais cuidado com as garotas. Falou com a mãe e a avó delas de suas especulações, mas estas sempre estava cientes de que eram “carne fresca” naquele lugar. A garota mais velha tinha 14 anos e isso podia fazer com que ela mesma procurasse ter sexo com um dos funcionários mais jovens. No mais os dias se passavam com limpezas, verificações de barricadas, serviços na cozinha e verificações do estoque de alimentos. Com a energia há muito tendo acabado, tudo o que era perecível se fora. Carnes, iogurte, queijo... tudo isso não existia mais e se imaginava que jamais se conseguiria de novo, mas Dona Maria Antônia lembrava que ainda existia gente que sabia caçar, pescar e preparar a caça, de modo que deveria haver também gente que ainda produzia até vinho.

O pior de tudo era a falta de informação. Trancados ali, sem TV ou Internet, não se sabia a extensão do estrago. Isso estaria acontecendo em todo o mundo? Como estariam lidando com isso, digamos, no Oriente Médio ou em Serra Leoa, onde as pessoas aprendem a atirar antes de amar? Estriam desenvolvendo uma vacina em algum lugar do mundo? Estariam os EUA prontos para bombardear países vizinhos para evitar a entrada de zumbis pelo México e Canadá? Estaria um lugar tão frio quanto o Canadá infestado de mortos-vivos ou eles simplesmente congelariam?

Luiz sentia muito mais falta, no entanto, da diversão que a Internet podia proporcionar. Em Manaus esse serviço nunca era muito bom, mas dava para se assistir filmes e seriados, ter videogames e entrar num chat a qualquer momento, mesmo por celular. Agora nem a função básica do celular – ligar para alguém – era possível. Sem bateria, não podia nem mesmo olhar as fotos da viagem à Fortaleza que fizera com seu namorado no ano anterior. O relacionamento entre eles acabara muito antes dos mortos voltarem para tomar o mundo dos vivos de assalto, mas agora percebia que ainda gostava dele.

A comida boa estava acabando. Aquilo que estava com o prazo de validade por vencer ou vencido há poucos dias era comido pelos “convidados” e a comida boa ficava pros funcionários. Se alguém tivesse que ficar doente, que fossem os que chegaram por último, invadindo. Os “donos” do lugar deveriam estar sempre saudáveis. Mas quando percebessem claramente que a comida iria acabar, o que fariam?

Não demorou muito para descobrirem.

Aproximadamente dez dias depois de chegarem ao DB da Cidade Nova ficara claro que a comida não duraria mais uma semana, mesmo com racionamentos. O estoque estava baixo quando tudo começou. O Gerente chamou todos à mesma sala em que aconteceu a reunião seguinte ao isolamento no frigorífico. Sem rodeios, disse que precisavam de mais comida, bebida e outros possíveis suprimentos, como remédios e até gasolina para o gerador. Ele havia escolhido algumas pessoas para irem ao exterior buscar esses bens de consumo e Luiz estava entre eles, mas o resto da família não. Dona Maria Antônia disse que ela e sua família precisavam de Luiz e que este não poderia ir e deixá-las desamparadas, ao que o Gerente disse que todos tinham de se sujeitar às regras. Nesse ponto, Antônia simplesmente reuniu sua família num pequeno círculo e começaram sua própria reunião. O Gerente ainda protestou por elas não estarem prestando atenção ao resto na conversa, mas a velha simplesmente o olhou abanou a mão direita num gesto de “me deixe em paz”.

Luiz ficou realmente emocionado pela consideração de Dona Antônia. Pensava na morte certa que o aguardava lá fora e que dificilmente encontrarias qualquer coisa, que se encontrasse não deveria estar bom e que se tudo isso fosse possível ainda teria de voltar em segurança pro interior do supermercado. Achava praticamente impossível que tudo saísse bem e imaginava que o melhor seria seguir seu caminho e ir para um outro lugar, pois seriam imediatamente seguidos por uma manada de mortos-vivos que o impediriam de dar a meia-volta aonde quer que fossem. Nem prestava atenção à conversa do Gerente.

Foi despertado do seu estupor quando Dona Maria Antônia interrompeu o monólogo do Gerente dizendo que iria com o grupo ao exterior.

CONTINUA SEMANA QUE VEM.

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