Coisa Viscosa - Parte 2
- O Cometa D/2014 foi partido ao passar entre a Terra e a Lua
ontem à noite. Os detritos são difíceis de localizar porque a chuva de meteoros
se espalhou por uma área de mais de cem quilômetros. Normalmente, quando um
cometa se aproxima do Sol, seus elementos voláteis se incendeiam e com o tempo
sobram só elementos orgânicos. Inesperadamente, os elementos orgânicos do
D/2014 eram, na verdade, um organismo alienígena similar à uma ameba, mas
incrivelmente resistente. O organismo, uma espécie de parasita, é dotado de
algum tipo de inteligência, sentido ou instinto que o leva a se ligar a
pessoas. Não encontramos nenhum indivíduo isolado, só os ligados à alguns
passageiros do metrô em que o senhor estava. Foi determinado que os organismos
viajavam no teto do transporte e atacaram algumas pessoas conforme estas saíam
pela porta do veículo.
Adroaldo ouvia isso como se estivesse num amargo pesadelo, só
que não acordaria dele. Se não estivesse em uma sala cheia de sujeitos “sorteados”
como ele mesmo com um presente dos céus jamais acreditaria nessa história. Ele nem
mesmo acreditava em vida extraterrestre e agora estava sendo devorado vivo por
um deles. O médico militar que lhe explicara isso parecia calmo demais.
Pudera: não havia monstro em sua
cabeça.
Foi-lhe explicado ainda que não havia modo de separar a
criatura dos seres humanos. O visitante era extremamente forte e escorregadio,
além de resistente à tudo o que tentaram infrutuosamente para matá-lo.
Experimentaram injetar venenos na forma de diversos elementos químicos letais a
tudo o que se conhecia na Terra e a gosma simplesmente expeliu a coisa.
Tentaram remover mecanicamente de diversas maneiras e o alienígena escorregava elegantemente
para longe das pinças e garras mecânicas de variadas formas. Utilizaram
isótopos radioativos e a coisa chegou mesmo a brilhar por um curto espaço de
tempo, voltando ao normal minutos depois. Mais tarde se descobriria que a gosma
irradiou todo o ambiente, ao mesmo tempo se purificando e ficando imune à
radiação.
- O que estou fazendo aqui então? Se não podem me ajudar, me
deixem encontrar quem possa!
- Não podemos fazer isso, Sr. Adroaldo. Não sabemos o que o
organismo poderia fazer em uma população despreparada e não creio que alguém
possa fazer algo que nós também não possamos.
- E agora?
- Você e os outros estão em observação até que alguém
descubra uma maneira de retirar isso de vocês.
- Estamos de quarentena isso sim!
- Sim, estão. Sinto muito. Não podemos deixar que isso se
espalhe, mas estamos cuidando de vocês.
- Só mais uma coisa: não quero transfusão de sangue. Sou Testemunha
de Jeová e minha religião não me permite.
- Senhor, devo insistir com o tratamento. Foi determinado que
o organismo está drenando o sangue do corpo das vítimas. O senhor pode morrer
de anemia em pouco tempo.
- Prefiro assim.
O militar acenou com a cabeça chamando outro oficial médico.
Discutiram o caso em frente a Adroaldo, que ouvia a tudo apreensivamente. Já
era muito ruim estar ali à força, agora teria de se submeter aos caprichos de
seus captores? Mas não, lhe disseram que estavam ali para ajudar e que sua
vontade seria respeitada. Adroaldo permitiu que lhe administrassem soro oral e
isso pareceu melhorar a tontura.
Não era testemunha de coisa alguma. Dissera aquilo porque não
queria que lhe injetasse o que quer que fosse. Tarde demais, percebeu que podia
estar sendo drogado através do soro que bebia e amaldiçoou sua estupidez.
Não faziam nada por ele, mas ao menos não passara pela agonia
de ter a cabeça exposta a testes como os outros. Adroaldo foi o último a ser
capturado e foi uma sorte – para os militares – que ele aparecesse espontaneamente
para o tratamento. A maioria fora pega ainda na estação e sabiam, através das
câmeras de segurança, que Adroaldo havia lhes escapado. Agora só restava á
todos esperar.
Nesse ínterim, percebeu que a raspagem em seu crânio havia
acabado. Será que a criatura estava cansada?
Em um dado momento estava com muito sono. Não sabia se isso
era causado pela perda de sangue, pelo esgotamento físico e mental daquele dia
insólito ou por uma possível droga em seu soro. Como não podia ficar acordado
indefinidamente, resolveu ir dormir. Ao menos a gosma verde não o incomodava.
Não tinha cheiro e não causava dor, o que lhe permitiria uma boa noite de sono.
Evitava conversar com as outras pessoas, mas o povo falava e muito,
principalmente entre paciente e acompanhante. Os acompanhantes também estavam
de quarentena e não eram necessariamente parentes, mas pessoas que estavam com as
vítimas no momento fatídico e acabaram indo para o hospital com eles.
Isso não o impediria de dormir, eles
que se danem.
No meio da noite, porém, Adroaldo acordou com um sobressalto.
Gritavam desesperadamente em algum lugar no escuro. Correria. Enfermeiros e
médico de plantão chegam e acendem as luzes. Um dos pacientes gritava a plenos
pulmões, com os olhos revirados e tentando arrancar a gosma verde da sua cabeça
com as mãos crispadas. Adroaldo notou que as mãos não afundavam na coisa como
quando ele tentou fazer o mesmo. O monstrinho estava rígido como um capacete.
Subitamente, outro paciente passou a berrar, seguido de outro uns cinco
segundos depois, depois mais um se juntou ao coro hediondo. Adroaldo sentiu uma
pedra de gelo no peito onde deveria estar seu coração ao perceber que, um a um,
os pacientes estavam sofrendo de um novo e doloroso sintoma.
Lentamente levou a mão ao alto da cabeça e sentiu com horror
a coisa enrijecendo rapidamente, como se o grito de seus colegas de quarto
fosse algum tipo de sinal macabro.
“Meu Deus, vou morrer!”
CONTINUA SEMANA QUE VEM
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