quinta-feira, 10 de abril de 2014




Coisa Viscosa - Parte 2

- O Cometa D/2014 foi partido ao passar entre a Terra e a Lua ontem à noite. Os detritos são difíceis de localizar porque a chuva de meteoros se espalhou por uma área de mais de cem quilômetros. Normalmente, quando um cometa se aproxima do Sol, seus elementos voláteis se incendeiam e com o tempo sobram só elementos orgânicos. Inesperadamente, os elementos orgânicos do D/2014 eram, na verdade, um organismo alienígena similar à uma ameba, mas incrivelmente resistente. O organismo, uma espécie de parasita, é dotado de algum tipo de inteligência, sentido ou instinto que o leva a se ligar a pessoas. Não encontramos nenhum indivíduo isolado, só os ligados à alguns passageiros do metrô em que o senhor estava. Foi determinado que os organismos viajavam no teto do transporte e atacaram algumas pessoas conforme estas saíam pela porta do veículo.

Adroaldo ouvia isso como se estivesse num amargo pesadelo, só que não acordaria dele. Se não estivesse em uma sala cheia de sujeitos “sorteados” como ele mesmo com um presente dos céus jamais acreditaria nessa história. Ele nem mesmo acreditava em vida extraterrestre e agora estava sendo devorado vivo por um deles. O médico militar que lhe explicara isso parecia calmo demais.

Pudera: não havia monstro em sua cabeça.

Foi-lhe explicado ainda que não havia modo de separar a criatura dos seres humanos. O visitante era extremamente forte e escorregadio, além de resistente à tudo o que tentaram infrutuosamente para matá-lo. Experimentaram injetar venenos na forma de diversos elementos químicos letais a tudo o que se conhecia na Terra e a gosma simplesmente expeliu a coisa. Tentaram remover mecanicamente de diversas maneiras e o alienígena escorregava elegantemente para longe das pinças e garras mecânicas de variadas formas. Utilizaram isótopos radioativos e a coisa chegou mesmo a brilhar por um curto espaço de tempo, voltando ao normal minutos depois. Mais tarde se descobriria que a gosma irradiou todo o ambiente, ao mesmo tempo se purificando e ficando imune à radiação.

- O que estou fazendo aqui então? Se não podem me ajudar, me deixem encontrar quem possa!

- Não podemos fazer isso, Sr. Adroaldo. Não sabemos o que o organismo poderia fazer em uma população despreparada e não creio que alguém possa fazer algo que nós também não possamos.

- E agora?

- Você e os outros estão em observação até que alguém descubra uma maneira de retirar isso de vocês.

- Estamos de quarentena isso sim!

- Sim, estão. Sinto muito. Não podemos deixar que isso se espalhe, mas estamos cuidando de vocês.

- Só mais uma coisa: não quero transfusão de sangue. Sou Testemunha de Jeová e minha religião não me permite.

- Senhor, devo insistir com o tratamento. Foi determinado que o organismo está drenando o sangue do corpo das vítimas. O senhor pode morrer de anemia em pouco tempo.

- Prefiro assim.

O militar acenou com a cabeça chamando outro oficial médico. Discutiram o caso em frente a Adroaldo, que ouvia a tudo apreensivamente. Já era muito ruim estar ali à força, agora teria de se submeter aos caprichos de seus captores? Mas não, lhe disseram que estavam ali para ajudar e que sua vontade seria respeitada. Adroaldo permitiu que lhe administrassem soro oral e isso pareceu melhorar a tontura.

Não era testemunha de coisa alguma. Dissera aquilo porque não queria que lhe injetasse o que quer que fosse. Tarde demais, percebeu que podia estar sendo drogado através do soro que bebia e amaldiçoou sua estupidez.

Não faziam nada por ele, mas ao menos não passara pela agonia de ter a cabeça exposta a testes como os outros. Adroaldo foi o último a ser capturado e foi uma sorte – para os militares – que ele aparecesse espontaneamente para o tratamento. A maioria fora pega ainda na estação e sabiam, através das câmeras de segurança, que Adroaldo havia lhes escapado. Agora só restava á todos esperar.

Nesse ínterim, percebeu que a raspagem em seu crânio havia acabado. Será que a criatura estava cansada?

Em um dado momento estava com muito sono. Não sabia se isso era causado pela perda de sangue, pelo esgotamento físico e mental daquele dia insólito ou por uma possível droga em seu soro. Como não podia ficar acordado indefinidamente, resolveu ir dormir. Ao menos a gosma verde não o incomodava. Não tinha cheiro e não causava dor, o que lhe permitiria uma boa noite de sono. Evitava conversar com as outras pessoas, mas o povo falava e muito, principalmente entre paciente e acompanhante. Os acompanhantes também estavam de quarentena e não eram necessariamente parentes, mas pessoas que estavam com as vítimas no momento fatídico e acabaram indo para o hospital com eles.

Isso não o impediria de dormir, eles que se danem.

No meio da noite, porém, Adroaldo acordou com um sobressalto. Gritavam desesperadamente em algum lugar no escuro. Correria. Enfermeiros e médico de plantão chegam e acendem as luzes. Um dos pacientes gritava a plenos pulmões, com os olhos revirados e tentando arrancar a gosma verde da sua cabeça com as mãos crispadas. Adroaldo notou que as mãos não afundavam na coisa como quando ele tentou fazer o mesmo. O monstrinho estava rígido como um capacete. Subitamente, outro paciente passou a berrar, seguido de outro uns cinco segundos depois, depois mais um se juntou ao coro hediondo. Adroaldo sentiu uma pedra de gelo no peito onde deveria estar seu coração ao perceber que, um a um, os pacientes estavam sofrendo de um novo e doloroso sintoma.

Lentamente levou a mão ao alto da cabeça e sentiu com horror a coisa enrijecendo rapidamente, como se o grito de seus colegas de quarto fosse algum tipo de sinal macabro.

“Meu Deus, vou morrer!”

CONTINUA SEMANA QUE VEM

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