Juízo
Final – Parte 10 – Última Esperança
Luiz
não conhecia muito bem a cidade, mas sabia que o São Jorge era um bairro
violento muito antes dos mortos voltarem para se alimentar dos vivos, dando
motivos para todos se armarem.
-
Por que o São Jorge?
-
Porque há uma base militar próxima e muita gente armada. Vamos encontrar gente
lutando por lá.
Gente
armada era um incômodo para Luiz. Ele nunca foi de chegar perto de uma. Facas,
só para cozinhar. Nem sequer praticou qualquer arte marcial que envolvesse armas
brancas. Agora necessitava ir ao encontro de gente armada, que certamente iriam
mandar e desmandar nele e na velha. Ela queria sobreviver e traçara um curso de
ação. Ele, que pecara por não ter um plano, precisava seguir Dona Antônia.
Lembrou
do tempo em que morava com sua mãe relativamente perto do CIGS. Gostava de ver
os jovens militares correndo de torso nu, suados, cantando. Havia homens te
todos os tamanhos e cores, nunca barrigudos. Quando acontecia de correrem numa
calçada em que ele estava, o calor e o cheiro dos corpos o deixava excitado.
Saíram
sem maiores dificuldades do Carrefour. Todos os monstros convergiam para a
entrada, a gritaria e os tiros ainda acontecia. Tiveram pouco trabalho se
esquivando dos zumbis que perceberam sua passagem pelo estacionamento: os
rápidos já entravam pela porta da frente, desimpedidos.
Ainda
assim, correr na rua era um suplício. Parecia que levava tempo demais para
chegar à esquina. Uma sensação de urgência terrível tomava conta do corpo,
ainda que não houvesse perseguidores. Não dava pra correr até a próxima base e
também não caminhariam para o CIGS, então olhavam para todos os lados
procurando um carro com aparência de operacional. A rua também estava
desimpedida, com os carros espalhados para os lados como se alguma locomotiva
os tivesse retirado do caminho atropelando-os. Tampouco falavam enquanto faziam
isso, com algum tipo de entendimento não-verbal trabalhando entre eles.
Súbito,
viram um jipe militar parado próximo ao Porão do Alemão, mas este não tinha as
chaves na ignição ou nos porta-luvas. Estava tão bem conservado que parecia ter
sido deixado por ali há pouco. Enquanto procuravam pelas chaves em algum lugar
ouviram um som que só conheciam pelos filmes – o de uma arma engatilhando –
seguido de uma ordem para deixarem as mãos à vista e saírem do veículo.
Parado
próximo à uma árvore estavam quatro soldados pintados com camuflagem verde, com
pequenos ramos com folhas presos nos capacetes e totalmente paramentados para o
combate. Foi como se brotassem do chão.
Depois
de perceberem que não representavam ameaça os militares se apressaram a dizer
que havia um local para onde poderiam ir. Não era no CIGS, contudo, mas numa
base um pouco depois dele. Estavam indo ao 1º BIS, conhecido por ser o melhor
batalhão de selva do mundo.
-
De onde foi que vocês saíram?
-
Estávamos na árvore, próximo ao transporte. Camuflagem.
-
Mas aquela árvore mal tinha folhas!
-
Pelo visto o senhor não serviu ao exército – disse o único soldado que falava
com eles. Aparentemente este tinha a mais alta patente entre os ocupantes do
carro. Falava amigavelmente e essa última frase havia sido dita com um sorriso
franco nos lábios. Parecia ser carioca, mas o sotaque não era muito carregado.
O
senhor e a senhora estão sendo levados para o 1º Batalhão de Infantaria de
Selva Aeromóvel. Temos helicópteros à disposição e estamos levando civis para
um abrigo em uma ilha próxima. O deslocamento de vocês deve acontecer amanhã
cedo, antes do café da manhã para evitar enjôos. Receberão instruções assim
que...
O
rádio os chamou, interrompendo a explanação com alguma coisa como “Capitão,
QAP?”
-
QAP, Cabo.
- Zulu?
-
Negativo.
-
QSF?
-
Positivo. Batom e bigode.
-
QTW?
-
Bem, sem necessidade de tratamento especial.
-
Desligo.
-
Esses códigos são interessantes – Declarou Dona Maria Antônia.
-
É o Código Internacional Q, senhora.
-
E o que significam?
-
QAP “na escuta”, QSF “realizou o salvamento”, QTW “como se encontram os
sobreviventes”
-
Mas o senhor falou ainda zulu, batom e bigode.
-
Perdão, usamos também outro código, o Fonético Internacional, onde zulu é “z”
de zumbi. Também há gírias no PX – nas comunicações de rádio – onde mulher é
“batom” e homem “bigode”. Há um consultor entre nós que insistiu para que nos
referíssemos aos zulu como Mike Vitor, de Morto-Vivo, mas como esse é o nome do
meu filho eu pedi que deixasse isso pra lá.
Todos
riram no veículo. Não demoraria para chegarem ao 1º BIS e não se via “zulu”
algum. Subitamente Luiz lembrou que seu irmão não gostava da expressão zumbi,
preferindo chamá-los de mortos-vivos. Era tão forte isso que discutia com
qualquer um por esse motivo e ensinara a todos os seus sete filhos a mirar na
cabeça e chamar os mortos do “jeito certo”.
-
Desculpe, não nos apresentamos. Sou Luiz e essa é Dona Maria Antônia.
-
Só se o senhor me desculpar também. Sou o Capitão Elto, este são – dizia e
apontava – Tenente Silva, Sargento Porto e Cabo Paes.
-
Esse consultor é um civil?
-
Sim. É um fanático por filmes de zumbis. No fim, um conhecimento abrangente do
que aparecia nos filmes acabou por ser útil. Os zulu são como nos filmes
“clássicos”, exceto que eles parecem aprender com o passar do tempo.
-
Eles estão aprendendo? O quê?
-
Aprenderam, por exemplo, a evitar o Bairro São Jorge. Aqui há muitos galerosos,
militares e gente que se armava por causa dos assaltos, daí aprenderam a não
vir até aqui e serem alvejados. Por isso as ruas estão livres deles por aqui.
-
Qual... qual o nome do consultor de vocês?
-
Felipe, não lembro o sobrenome.
-
Seria Felipe Couto?
-
Sim! Você conhece aquele maluco?
- É
MEU IRMÃO! MEU IRMÃO ESTÁ VIVO!
CONTINUA
SEMANA QUE VEM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário