segunda-feira, 29 de julho de 2013


Juízo Final – Parte 10 – Última Esperança

Luiz não conhecia muito bem a cidade, mas sabia que o São Jorge era um bairro violento muito antes dos mortos voltarem para se alimentar dos vivos, dando motivos para todos se armarem.

- Por que o São Jorge?
- Porque há uma base militar próxima e muita gente armada. Vamos encontrar gente lutando por lá.

Gente armada era um incômodo para Luiz. Ele nunca foi de chegar perto de uma. Facas, só para cozinhar. Nem sequer praticou qualquer arte marcial que envolvesse armas brancas. Agora necessitava ir ao encontro de gente armada, que certamente iriam mandar e desmandar nele e na velha. Ela queria sobreviver e traçara um curso de ação. Ele, que pecara por não ter um plano, precisava seguir Dona Antônia.

Lembrou do tempo em que morava com sua mãe relativamente perto do CIGS. Gostava de ver os jovens militares correndo de torso nu, suados, cantando. Havia homens te todos os tamanhos e cores, nunca barrigudos. Quando acontecia de correrem numa calçada em que ele estava, o calor e o cheiro dos corpos o deixava excitado.

Saíram sem maiores dificuldades do Carrefour. Todos os monstros convergiam para a entrada, a gritaria e os tiros ainda acontecia. Tiveram pouco trabalho se esquivando dos zumbis que perceberam sua passagem pelo estacionamento: os rápidos já entravam pela porta da frente, desimpedidos.

Ainda assim, correr na rua era um suplício. Parecia que levava tempo demais para chegar à esquina. Uma sensação de urgência terrível tomava conta do corpo, ainda que não houvesse perseguidores. Não dava pra correr até a próxima base e também não caminhariam para o CIGS, então olhavam para todos os lados procurando um carro com aparência de operacional. A rua também estava desimpedida, com os carros espalhados para os lados como se alguma locomotiva os tivesse retirado do caminho atropelando-os. Tampouco falavam enquanto faziam isso, com algum tipo de entendimento não-verbal trabalhando entre eles.

Súbito, viram um jipe militar parado próximo ao Porão do Alemão, mas este não tinha as chaves na ignição ou nos porta-luvas. Estava tão bem conservado que parecia ter sido deixado por ali há pouco. Enquanto procuravam pelas chaves em algum lugar ouviram um som que só conheciam pelos filmes – o de uma arma engatilhando – seguido de uma ordem para deixarem as mãos à vista e saírem do veículo.

Parado próximo à uma árvore estavam quatro soldados pintados com camuflagem verde, com pequenos ramos com folhas presos nos capacetes e totalmente paramentados para o combate. Foi como se brotassem do chão.

Depois de perceberem que não representavam ameaça os militares se apressaram a dizer que havia um local para onde poderiam ir. Não era no CIGS, contudo, mas numa base um pouco depois dele. Estavam indo ao 1º BIS, conhecido por ser o melhor batalhão de selva do mundo.

- De onde foi que vocês saíram?
- Estávamos na árvore, próximo ao transporte. Camuflagem.
- Mas aquela árvore mal tinha folhas!
- Pelo visto o senhor não serviu ao exército – disse o único soldado que falava com eles. Aparentemente este tinha a mais alta patente entre os ocupantes do carro. Falava amigavelmente e essa última frase havia sido dita com um sorriso franco nos lábios. Parecia ser carioca, mas o sotaque não era muito carregado.

O senhor e a senhora estão sendo levados para o 1º Batalhão de Infantaria de Selva Aeromóvel. Temos helicópteros à disposição e estamos levando civis para um abrigo em uma ilha próxima. O deslocamento de vocês deve acontecer amanhã cedo, antes do café da manhã para evitar enjôos. Receberão instruções assim que...

O rádio os chamou, interrompendo a explanação com alguma coisa como “Capitão, QAP?”

- QAP, Cabo.
- Zulu?
- Negativo.
- QSF?
- Positivo. Batom e bigode.
- QTW?
- Bem, sem necessidade de tratamento especial.
- Desligo.

- Esses códigos são interessantes – Declarou Dona Maria Antônia.
- É o Código Internacional Q, senhora.
- E o que significam?
- QAP “na escuta”, QSF “realizou o salvamento”, QTW “como se encontram os sobreviventes”
- Mas o senhor falou ainda zulu, batom e bigode.
- Perdão, usamos também outro código, o Fonético Internacional, onde zulu é “z” de zumbi. Também há gírias no PX – nas comunicações de rádio – onde mulher é “batom” e homem “bigode”. Há um consultor entre nós que insistiu para que nos referíssemos aos zulu como Mike Vitor, de Morto-Vivo, mas como esse é o nome do meu filho eu pedi que deixasse isso pra lá.

Todos riram no veículo. Não demoraria para chegarem ao 1º BIS e não se via “zulu” algum. Subitamente Luiz lembrou que seu irmão não gostava da expressão zumbi, preferindo chamá-los de mortos-vivos. Era tão forte isso que discutia com qualquer um por esse motivo e ensinara a todos os seus sete filhos a mirar na cabeça e chamar os mortos do “jeito certo”.

- Desculpe, não nos apresentamos. Sou Luiz e essa é Dona Maria Antônia.
- Só se o senhor me desculpar também. Sou o Capitão Elto, este são – dizia e apontava – Tenente Silva, Sargento Porto e Cabo Paes.
- Esse consultor é um civil?
- Sim. É um fanático por filmes de zumbis. No fim, um conhecimento abrangente do que aparecia nos filmes acabou por ser útil. Os zulu são como nos filmes “clássicos”, exceto que eles parecem aprender com o passar do tempo.
- Eles estão aprendendo? O quê?
- Aprenderam, por exemplo, a evitar o Bairro São Jorge. Aqui há muitos galerosos, militares e gente que se armava por causa dos assaltos, daí aprenderam a não vir até aqui e serem alvejados. Por isso as ruas estão livres deles por aqui.
- Qual... qual o nome do consultor de vocês?
- Felipe, não lembro o sobrenome.
- Seria Felipe Couto?
- Sim! Você conhece aquele maluco?
- É MEU IRMÃO! MEU IRMÃO ESTÁ VIVO!

CONTINUA SEMANA QUE VEM.

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