segunda-feira, 22 de julho de 2013


Juízo Final – Parte 9 – Abrigo é Ilusão

Os dias se passaram sem mais. Chaiane continuou procurando Luiz, que lhe correspondeu todas as vezes. Era bom estar gostando de alguém de novo, ainda que fosse dessa forma tão inesperada. Mais do que isso, voltar a gozar lhe fez voltar a se sentir vivo e, num mundo infestado pelos mortos-vivos, saber o que é vida de verdade é fundamental.

Ele também começou a reparar nos homens que haviam por lá. Havia um em particular que lhe chamava atenção, mas como este não parecia homossexual nem tentaria uma aproximação. Mais de uma vez, porém, comeu sua namorada pensando nele.

Chaiane gostava muito de conversar e isso é o que fazia dar certo. Verdade: o sexo era bom e era uma mulher linda, mas era mulher e Luiz sabia que isso não duraria pra sempre. Em suas conversas falavam de como o mundo era e de como poderia ser se algum dia os mortos atingissem uma proporção tal que a humanidade pudesse lidar com eles. Luiz acreditava que nada jamais seria como antes e que a civilização não poderia se reerguer depois de uma desgraça como essa, que era o fim do curto reinado do ser humano na Terra, mais isso só até encontrar com Chaiane. Ela lhe lembrou que já ocorreram pragas que assolaram a humanidade no passado e que parecia que tudo estava perdido, como a Peste Negra na Europa, por exemplo. Ao término dessa provação as pessoas que sobrevivem a esse tipo de teste são pessoas melhores, mais fortes.

Mais fortes não quer dizer boas, pensou consigo mesmo. Não estragaria a esperança de ninguém, mas se a humanidade podia resistir a esse tipo de holocausto seria através de homens mais terríveis que os zumbis.

A comida ia ficando escassa, mas ninguém parecia preocupado em conseguir mais. Luiz é que não iria chamar atenção sobre esse fato. Ainda estava recente em sua memória a corrida que fizeram, ele e Dona Antônia, para o Carrefour, sem ao menos saber se conseguiriam entrar, sem a menor esperança de voltar atrás para os que lhes enviaram para pegar a comida em primeiro lugar.

Com os outros conversava apenas amenidades. Dona Antônia estava até mesmo esquecida, pois ela mesma preferia estar com as outras duas senhoras na cozinha, trabalhando. Era dessas velhas senhoras para quem a lida doméstica era quase um estilo de vida e as maravilhas da Internet, que tanto faziam falta para Luiz, jamais seriam sequer consideradas. Ria muito em companhia de suas colegas de trabalho. As tarefas na cozinha, a limpeza, sequer foram designadas para Antônia, que simplesmente aderiu ao trabalho.

Com Luiz era diferente. Ninguém, exceto Chaiane, gostava de “ficar olhando” os monstros do lado de fora. Se pudessem simplesmente desodorizar o ambiente e fazer de conta que eles não estava lá... Assim seu trabalho era montar guarda eterna, ao lado da mulher que sempre fazia observações – por vezes jocosas – acerca dos mortos.

Ele nunca parava de se preocupar. Era um traço de sua personalidade. Seria bom se a preocupação o levasse a algum lugar, o que não acontecia de fato. Temia, por exemplo, o fim dos mantimentos, mas não tinha nenhum plano se esse fosse o caso. Sabia que teriam de sair do supermercado, mas nem morto sairia dali. Se por acaso pudessem obrigá-lo a sair do recinto, também não sabia para onde correr. Nem ao menos possuía um carro para se deslocar mais rápido ou ter a esperança de levar alguém como Dona Antônia ou Chaiane consigo.

Um dia estava sozinho de guarda enquanto Chaiane estava descansando e viu o inimaginável: sobreviventes armados entrando no estacionamento em uma Ranger cabine dupla, a toda velocidade, atirando. Não havia ninguém preparado para isso, ninguém discutira o que fazer num caso desses, não havia nada o que fazer. Não precisava sequer avisar o que estava acontecendo, pois todos ouviam o som do motor e os tiros. Os ocupantes do Carrefour correram até o portão de enrolar que fechava o estabelecimento para olhar o que acontecia do lado de fora. Os homens dirigiam o carro lotado de sobreviventes, com atiradores na caçamba. Atropelavas os zumbis propositadamente, com as rodas altas e do tipo off-road aliadas à tração 4x4 garantindo que a pick-up continuasse. Foram direto ao extremo do estacionamento, manobrando até calmamente o carro para que ficasse bem de frente para o supermercado. O caminho para a porta da frente estava quase livre de mortos-vivos. Repentinamente, Luiz percebeu o que iria acontecer a seguir e gritou SAIAM DA FRENTE DA PORTA ao mesmo tempo em que saía correndo dali.

No mesmo momento começou uma pequena discussão com perguntas como “por quê?” e afirmações tais como “não pode ser!”. Isso acabou abruptamente quando os invasores aceleraram violentamente em direção à entrada.

Gritaria e pânico generalizado. Alguns ainda se dirigiam à entrada querendo entender. Era ainda muito cedo e vários acordaram com os tiros. Chaiane estava entre eles. Luiz viu Dona Antônia com duas sacolas cheias do que pareciam ser vegetais olhando fixamente para ele, sua postura estática chamando sua atenção em meio à correria, saindo logo depois em direção ao estoque já esgotado. Ele a seguiu. Não havia como chamar Chaiane. Não havia como enfrentar os invasores.

Percebeu então que Dona Antônia havia se preparado para essa contingência. O plano parecia ser sair pó onde entraram.

Ao alcançar a velha, que estava bem mais perto do antigo estoque, avistou a mesma já posicionando uma pequena escada que estava por ali para isso mesmo. Dona Antônia lhe entregou uma corda ao mesmo tempo em que dizia “puxa”. A outra ponta da corda estava amarrada nos entulhos que bloqueavam sua saída. Nesse momento ouviram o estrondo terrível da pick-up violando o santuário deles. Deram um puxão mais forte e derrubaram o bloqueio, seu barulho encoberto pela gritaria e tiros próximos. Ainda olhou pela porta na esperança vã de ver Chaiane aparecendo, mas não teve essa graça. Também não poderia chamar por ela sob pena de atrair pessoas indesejadas. Tinha sorte de Dona Antônia ter lhe chamado.

– Vamos pro São Jorge – disse Antônia.

CONTINUA SEMANA QUE VEM.

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