segunda-feira, 29 de abril de 2013



Isso é parte de um roteiro que eu gostaria de ver tornar-se um filme. Vou parar um pouco de fazer os contos e passara desenvolver essa história aqui, semanalmente, sempre às segundas-feiras.


JUÍZO FINAL

Parte 1º - Despertar Em Um Pesadelo.

"Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados.” João 5:28-29

Luiz acordou no chão. Teve um sobressalto quando percebeu que estava numa casa desconhecida, cercado de estranhos. Sequer podia dizer se era dia ou noite, visto que grossas cortinas cobriam as janelas. As pessoas à sua volta, no entanto, pareciam pacatas, ainda que estivessem ansiosas. Era uma família, provavelmente. O homem era branco e quase que totalmente careca em cima da cabeça, com uma farta barba castanha com uma mancha grisalha no meio. Bem diferente do resto da família, duas meninas, uma mulher e uma velha, caboclos típicos de Manaus.

O homem estendeu a mão para lhe tranqüilizar, sem tocá-lo.

- Me chamo Ismael. Você está em nossa casa. Está bem?
- Como vim parar aqui? O que aconteceu?
- Você sofreu um acidente bem em nossa frente e te trouxemos pra casa quando tudo começou. Você esteve dormindo por quase um dia inteiro.
- Não lembro de nada.
- Fale baixo, por favor. Eles estão lá fora.
- Eles quem?

A família se entreolhou.

- Quer dizer que você não sabe o que está acontecendo lá na rua?

Luiz franziu o cenho e fez que não com a cabeça. Olhou mais uma vez para as janelas cobertas. Poderia ser qualquer hora lá fora. Se deu conta de que sua cabeça doía e de algo mais... um cheiro ruim, mas de quê?

Voltou a olhar para Ismael. Ele estava olhando apreensivo para a esposa, ela com as mãos nas dele. O homem olhou para Luiz e disse sem rodeios “os mortos se ergueram para se alimentar dos vivos!”

“Que?” Foi a resposta.

A mulher tomou a palavra. Ela falava com olhos esbugalhados, se inclinando pra frente no sofá. Luiz, que estava no chão, recuou um pouco.

Quem morre não continua morto! Quem morreu faz tempo não volta, mas quem morre volta rapidinho, fazendo “uuuUUUUUuuu” e com as mão querendo te pegar! Pior que visage!

“Pelo menos sei que estou em Manaus com todo esse amazonês”, pensou Luiz. Ismael pôs a mão no braço da esposa para tomar a palavra.

- Temos que ficar quietos, pois eles não nos incomodam. Os vizinhos tentaram bloquear as janelas com tábuas e os martelos batendo atraíram uma multidão de mortos-vivos.
- Não podem ser mortos-vivos! Deve ser outra coisa!
- Vou te mostrar.

Ismael seguiu por uma escada em caracol que dava acesso aos quartos no andar de cima. Luiz o seguiu. Lá em cima, além de dois quartos, havia uma espécie de sala que servia de varanda e acesso aos dois quartos. A vista estava bloqueada por uma grande lona verde escura. Ismael se aproximou lentamente, indicando um pequeno furo na lona.

O visitante olhou.

Num primeiro momento ele viu uma rua apinhada de gente, todos convergindo para o vizinho da direita, mas aí percebeu que as pessoas estavam muito, muito estropiadas. Não era como nos filmes ruins que assistia com o irmão mais velho, em que os mortos tinham a pele solta na cara ou dentes enormes e quadrados. Eles eram muito diversos! Viu um homem andando com os intestinos esbranquiçados pendurados como um avental na frente das pernas. Havia uma espécie de esqueleto andando com pouquíssimos músculos e de crânio completamente descarnado, exceto pelos olhos e língua que ainda estavam lá. Viu uma senhora finamente vestida de rosto enegrecido por algo que parecia ser um enorme hematoma. Ao lado dela estava uma jovem alta de óculos escuros comendo uma grande perna de cachorro. Do outro lado da rua estava um homem de terno parcialmente queimado, com a pele da face encolhida, rasgada e chamuscada, os raros cabelos todos de pé, de boca escancarada e com um olho torto. Havia um outro homem praticamente inteiro, exceto que lhe faltava um terço do rosto. Viu crianças, velhos, homens e mulheres. A maioria tinha feridas terríveis no rosto e nos braços, muitos tinham as barrigas abertas, com ou sem vísceras. Todos tinham o no rosto uma expressão de dor e tristeza. Os olhos eram baços, mas não eram esbranquiçados como nos filmes.

Logo presumiu que a doença que os transformou em monstros similares aos vistos no cinema não deveria ser como no cinema, mas não iria se arriscar.

- Como foi que isso aconteceu?
- Não sei. Ontem eles começaram a aparecer em toda a cidade, mais ou menos ao mesmo tempo. Apareceram nos jornais logo cedo e daí houve um engarrafamento monstro quando os mortos começaram a atacar os motoristas indo pro trabalho. Os motoristas se tornaram monstros também e daí o problema aumentou rapidamente.
- Mas mortos-vivos!? Isso não pode ser!
- Você acabou de ver!
- Sim, mas deve ser outra coisa! Deve ser uma doença! Eles não podem estar mortos e vivos ao mesmo tempo!
- Amigo, por favor fale baixo, sim? Te salvei de ser comigo vivo lá fora. São muito parecidos com mortos-vivos, com as tripas penduradas, carne e sangue faltando, porque não chamar de mortos-vivos? Vou chamar de monstros, está bem?
- Isso parece pior que mortos-vivos. O que foi que aconteceu comigo?
- Um carro bateu porque o motorista lutava com um dos “monstros”, daí uma roda se soltou, rolou pela rua, bateu no meio-fio, subiu alto e caiu na sua cabeça.
- Não lembro de nada disso.
- Deve ser da pancada.

Luiz se conformou e agradeceu mui respeitosamente ao homem que lhe salvou a vida. Não tinha dúvidas de que esse paulista (parecia paulista, ao menos) lhe salvara. Resolveu que chamaria os doentes de “infectados”. Todos os infectados pareciam ter sido parcialmente devorados. Não sabia como a doença deles funcionava, mas sabia que seria morto se ainda estivesse nas ruas. Era um sobrevivente improvável, fora de forma e sem qualquer habilidade em combates, todo exercício que fazia se resumia a ocasionalmente subir uma escada no trabalho, onde passava até oito horas sentado.

Os dias foram passando. Arrumaram um lugar na sala mesmo para servir de quarto para o pobre homem resgatado. Nesse meio tempo, descobrira que estava na Cidade Nova, não muito longe do DB. Luiz vez em quando subia para observar os infectados. Notou que uma vez interessados em algo – como na casa do visinho da direita – nunca a deixavam de lado. Imaginou que essa informação deveria ser útil em dias futuros, pois a comida estava acabando.

Logo teriam de ir às compras.



CONTINUA SEMANA QUE VEM.

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