sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Dia Z

Parece muito difícil que algum dia aconteça o Dia Z, quando os mortos se levantarão para se alimentar dos vivos em tal quantidade que poderíamos chamar de evento cataclísmico.

Sim, parece impossível, porque o Solanum não se propaga pelo ar, terra ou água, os mortos-vivos são lentos demais para espalharem por si sós a praga pelo mundo inteiro e as notícias correm o globo com uma velocidade espantosa. Parece impossível, mas não é. Vamos analisar essas três questões – o vírus, o zumbi e as notícias – sob uma ótica de barreira ao Fim do Mundo.

Deve-se lembrar que a virulência do Solanum é 100% infectante, o que nos impede mesmo de inventar uma vacina. O vírus nunca foi isolado na natureza, de maneira que não sabemos de onde veio o vírus, aonde repousa até que irrompe uma insurreição ou como passa do meio natural para um ser humano. Nunca se descobriu o “paciente zero” ou sequer de que parte do planeta veio. Ou seja: o vírus é muito pouco conhecido, pouquíssimos são os médicos que poderiam identificá-lo ou aos seus sintomas num hospedeiro e mesmo que pudessem identificar nada poderiam fazer para tratar os doentes.

A lentidão dos mortos-vivos é compensada por sua durabilidade, uma vez que o apodrecimento é praticamente nulo depois que o cadáver é reanimado pelo Solanum. Além disso, apesar do vírus ser 100% infectante, tem um período de incubação de aproximadamente trinta e seis horas, o que permite que infectados com algum poder aquisitivo viajem para qualquer lugar do planeta. Finalmente, poucos serão aqueles da área da saúde que irão tentar destruir um zumbi nos primeiros dias. Os zumbis serão tratados como humanos doentes.

A divulgação das notícias é o mais difícil de prever. As autoridades de cada país tentarão abafar notícias sobre insurreições como sempre fizeram ao longo dos anos. Eles têm feito um bom trabalho até aqui. Nenhum jornal com credibilidade daria uma notícia sobre o Dia Z sem ter toda a certeza do mundo e quando isso acontecer será muito tarde. Mas quando as notícias sobre a série de terremotos na China foi abafada pelas autoridades daquele país por causa das Olimpíadas que se aproximavam, a notícia vazou pela Internet e logo o mundo todo sabia do que estava acontecendo. Mesmo assim, até hoje não se sabe quantos morreram ao certo e qual foi o dano ao país, que moveu mundos e fundos para sediar as Olimpíadas. Isso nos mostra que as notícias poderão surgir de fontes não confirmadas oficialmente e que talvez nunca venham notícias oficiais confiáveis.

O que vem a seguir é uma descrição de como poderia acontecer o Dia Z. Não é a única forma de acontecer, mas serve para mostrar que é possível e que tudo o que foi ensinado até aqui deve ser posto em prática. Lembre-se sempre que os dirigentes de cada país sabem que o Solanum existe e que têm planos de contingência para insurreições de todos os tamanhos, mesmo uma de nível quatro. Tal plano, porém, não poderá ser bom se envolver muitos milhões de pessoas, de maneira que só uns poucos escolhidos estarão cobertos por esse plano, provavelmente o suficiente para que o Governo continue, ainda que num nível embrionário, deixando os cidadãos por sua conta e risco.

De início, a insurreição começaria em algum lugar em que as notícias corram devagar, no campo, em uma cidade rural, mas que tenha acesso a uma cidade maior. Com uma incubação aproximada de trinta e seis horas, basta que o centro urbano esteja a um dia de viagem. Os habitantes desse local tentariam conter os infectados sem matá-los por não entender o que acontece e porque em locais assim todos se conhecem em algum nível. Sempre é mais difícil destruir um morto-vivo quando este, em vida, era um amigo ou parente. Quando a cidade estiver completamente tomada, muitos serão os portadores do Solanum que terão fugido para a cidade vizinha, procurado hospitais e as autoridades. Quando um hospital receber doentes mais feridos ou com ferimentos especiais, como queimaduras graves, transferirão de ambulância os futuros mortos-vivos para hospitais maiores e assim a doença se espalha com rapidez. Os hospitais e delegacias se tornarão novos focos da doença, uma vez que o menor contato com os fluidos dos infectados criarão novos infectados, mas que levarão várias horas para serem descobertos. Os doentes da cidade pequena morrem e se reanimam apenas no dia seguinte, mas ainda vai levar um tempo para que os médicos se dêem conta do que está acontecendo. Muitos profissionais da saúde e policiais levarão a doença para casa com eles, vários passarão o Solanum para suas famílias, seja fazendo amor à noite ou dividindo copos e talheres no café da manhã do dia seguinte. Vários policiais entrarão em contato direto com os primeiros mortos-vivos no foco original da praga e isso vai acabar gerando relatórios que atrairão atenção do Estado, que não avisará aos policiais contra o que estão lutando.

Isso acontecerá porque é importante que a força policial, formada na maioria por pessoas simples, de classe média-baixa, formem uma primeira linha de defesa e, uma vez avisados do que enfrentam, abandonariam seus postos e retornariam aos seus lares e espalhariam a notícia entre seus parentes e amigos, aumentando o pânico desenfreado. O problema é que, sem o conhecimento de que só destruindo o cérebro se pode parar um zumbi, essa linha de defesa é só um atraso no avanço que tenderá a explodir com a contaminação dos policiais.

O Estado sabe que isso vai acontecer e toma outras medidas, que variam de país para país. Em alguns lugares áreas infectadas serão mantidas em quarentena, em outros será declarado estado de sítio. Em alguns casos simplesmente destruirão cada vila ou cidade infectada.

Isso não vai parar a progressão da insurreição, porque nenhum país gosta de fechar suas fronteiras. É economicamente inviável. Basta lembrar a crise européia deflagrada pelas companhias de aviação em 2010. Com gente viajando em aviões e com a infecção levando até trinta e seis horas para transformar um seu humano em zumbi, qualquer local do globo virá a ser contaminado em seguida. Para complicar, a maior parte das pessoas vai fugir para locais populosos, buscando conforto e segurança. Nesses locais, uma insurreição é difícil de ser contida, ainda mais porque as fronteiras não serão fechadas mais uma vez. Mesmo quando ficar claro o que está acontecendo e os cercos militares forem mais intensos, haverá aqueles que conseguirão furar os bloqueios por astúcia, através do dinheiro, cobrando favores ou se utilizando em conexões privilegiadas dentro das próprias forças armadas, por exemplo.

As pessoas infectadas nesses locais verão com horror o que acontece com aqueles que são portadores do Solanum. Pior que isso, verão com que rigor são tratados por aqueles que estiverem combatendo o mal. Assim sendo, tentarão furar o bloqueio formado pelo Estado de qualquer maneira, ocultando sua condição através de qualquer meio necessário, matando, roubando e destruindo na sua passagem se for o caso. Não serão poucas essas pessoas.

A maior parte das pessoas irá morrer neste primeiro momento, quando acidentes de trânsito, balas perdidas e outros desastres se sucederem devido ao caos generalizado que se seguirá. Religiosos afirmarão que se trata do fim do mundo. Países lançarão mão de armas de destruição em massa contra seus vizinhos na esperança vã de controlar suas fronteiras. Ocorrerão combates sangrentos nas ruas por causa de mantimentos, armas ou abrigos. Logo, o dinheiro não valerá mais nada, bem como os direitos civis ou humanos, com o Estado enviando seus líderes para abrigos secretos e declarando estado de calamidade.

As pessoas mortas que não estiverem infectadas pelo Solanum permanecerão mortas, mas a quantidade de sobreviventes será muito menor que a de mortos-vivos. A insurreição logo passará ao nível quatro, situação na qual o mundo estará dominado pelos não-vivos. Infelizmente a grande maioria das pessoas não tem preparo físico ou mental para enfrentar um zumbi, ainda que bem armada, e não sabe que o melhor é permanecer em silêncio. Marteladas desesperadas para bloquear janelas com tábuas e tiros ocasionais irão lentamente atrair mais e mais mortos-vivos aos grupos humanos remanescentes e seus abrigos se tornarão armadilhas para seus ocupantes.

Restará para aqueles em abrigos especiais, construídos em locais de difícil acesso, esperar. Mesmo com a taxa de decomposição mais lenta, um dia os mortos-vivos desaparecerão pela própria ação do tempo, que vai variar de acordo com as condições do meio em que estiverem. Em locais frios demais, simplesmente congelarão, mas aí não estarão destruídos e seu mal poderá ressurgir tempos depois, no caso de degelarem. Em locais tropicais, apodrecerão mais rápido. O que é aceito é que os sobreviventes nesse cenário terão de esperar aproximadamente vinte anos até poderem enviar batedores para fora do abrigo em todas as direções para verificarem se é seguro sair.

Parece impossível ficar tanto tempo em um abrigo, mas se você pensar que os monges já passaram mais tempo isolados em montanhas, aonde a vida é realmente dura, verá que não é impossível. Outras alternativas às montanhas seriam os abrigos subterrâneos militares, feitos para resistirem à ataques nucleares e com mantimentos para uma geração inteira ou abrigos em outros locais realmente isolados, como barracas de nômades no meio do deserto do Saara, um sítio oculto montado em uma das centenas de ilhas do arquipélago de Anavilhanas ou bases científicas na Antártida.

Mais uma vez: o mais provável é que isso nunca venha a acontecer, mas assim como pude imaginar uma história para esse destino negro, outros eventos poderiam nos levar ao mesmo fim. O mais importante é estar preparado, pois é preferível estar preparado e estar errado quanto ao Dia Z do que ser pego despreparado quando os mortos se erguerem para se alimentar dos vivos.

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