terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sangue de Lobo




Parte 5 – Novo emprego

Como parte de sua nova vida, em um lugar mais tranquilo, precisava ter um novo emprego. Dessa vez não iria ser assassino a soldo de traficantes, mas teria de algo perigoso e que sua aparência, entre o perigoso e o sedutor, não incomodasse. E precisava ser algo que lhe desse uma boa soma em dinheiro que pudesse ganhar rápido e ir logo embora. Depois de três semanas de buscas intensas, descobriu um cassino ilegal num bairro próximo em que aconteciam lutas. Foi assistir a uma delas e percebeu que não havia categorias de peso ou muitas regras, só não podia morder, enfiar o dedo nos olhos ou bater nos genitais, e notou também que não havia nenhum tipo de lutador páreo para ele. Sorriu ao pensar que poderia até mesmo comer um dos homens ali no ringue, que parecia especialmente saboroso com sua pele branca e depilada, aparentando não mais que vinte e cinco anos. Descobriu que poderia lutar no mesmo dia contra um campeão da casa, mas preferiu esperar para ver do que se tratava, como era o homem. Não demorou e aconteceu o anúncio. Um homem com voz forte e vestido com um terno que lhe dava um aspecto caricato diz “senhoras e senhores aqui presentes, este é o momento pelo qual todos estávamos esperando. O campeão da casa, José Esmaga Caveira, vai enfrentar o desafiante Manuel Bebeça”.

As apostas haviam sido feitas na entrada onde podia-se ver um pôster simples dos lutadores. Caveira era um velho de cabelos muito curtos e brancos e aspecto compacto enquanto Bebeça era um caboclo com uma cabeça absurdamente desproporcional, muito feio, como um troll. A música era baixa o suficiente para não chamar atenção das autoridades, mas o público foi ao delírio quando surgiu Esmaga Caveira, que era muito mais velho do que o lobo esperava. “Foram legais em colocar uma foto antiga dele no pôster”. Ele entrou com um calção vermelho metálico de círculos azuis no limite inferior e usava luvas de boxe amarelas. Bebeça já entrou vaiado e tinha apenas as mãos e parte dos antebraços enfaixados com uma espécie de bandagem. Era realmente feio, tinha alguma deformação genética. Talvez acromegalia.

O velho entrou no ringue devagar como se movem todos os velhos, mas assim que soou o gongo sua postura mudou dramaticamente. Seu tronco se dobrou à frente em 45 graus, dava pequenos socos curtos nas próprias bochechas e girava as mãos com celeridade à frente do peito. O caboclo ria e acertou o primeiro jab, mas o velho puxou a cabeça pro lado acompanhando o movimento que o acertou sem muita foca. Quando Bebeça ensaiou a repetição do movimento José se empertigou subitamente e o feio nem viu o uppercut que lhe enviou ao chão. Com o knockdown, Manuel acordou e se levantou sem acreditar no que acabara de lhe acontecer, mas antes que pudesse organizar uma defesa José já estava em cima dele, com um combo de diretos, ganchos e uppers que o fez fugir do ringue.

Como José Esmaga Caveira estava muito bem, passaram para a próxima etapa. O palhaço que anunciava estava no centro do ringue. “Caveira está procurando por seu desafiante especial. Pagaremos duzentos por alguém que aguente dois minutos de luta com o nosso campeão José. Nem é necessário vencer!” Lutando contra seus instintos, a besta levanta a mão. Ficou momentaneamente cego quando lhe jogaram o facho de um holofote na cara. “Temos um desafiante!”, disse o anunciante.

Ao subir no ringue vieram não só as já esperadas vaias como os risos. Com suas roupas habituais, parecia muito magro para estar lá contra alguém com o apelido de Esmaga Caveira. Fez um gesto para o anunciante, que se aproximou.

- Que que eu ganho se ele for nocauteado?
- Duzentos como combinado.
- Só isso mesmo?
- Se você ganhar pode se tornar nosso novo campeão, daí veremos.

Tudo isso era dito com o monstro de cabeça baixa, evitando mostrar os olhos, mas quando a luta estava pra começar encarou o velho com olhar assassino e olhos bestiais. O homem à sua frente percebeu a manobra intimidante e devolveu a fúria no olhar depois de se espantar por um instante. “Bom”, pensou a fera, que preferia lutar com um gladiador do que com um mero lutador profissional. O anunciante lhe perguntou o nome e ouviu como resposta uma única palavra:

“Lobo.”

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