quarta-feira, 10 de dezembro de 2014




Tenho trabalhado um bocado e por isso está cada vez mais difícil manter o Sucupiras atualizado, ainda mais se for para escrever algo original ou mesmo qualquer coisa, me limitando mais a uma tradução de algum Manly Guys Doing Manly Things, mas vamos lá!

Vou iniciar aqui uma série de dicas para mestres de RPG. As dicas serão simples e diretas e por isso qualquer mestre com qualquer tempo de experiência poderá se valer delas.

Vejam bem: não serão REGRAS, mas orientações gerais. Use se quiser, discorde ou mesmo adapte. O que me dá know-how para escrever sobre o assunto é o meu tempo jogando RPG com mais ou menos intensidade e frequência, presencial ou à distância: uns 23 anos!

Então, como muita coisa já se escreveu sobre muitos assuntos, vou começar a escrever sobre mestrar para crianças.

Idade ideal pra começar – por volta dos dez anos.

Eu tenho cinco filhos. Os dois mais velhos já jogam RPG comigo há um tempinho, mas nem sempre foi assim. Tentei mestrar há uns 4 anos e eles eram tão jovens que não entendiam muitos conceitos, não se concentravam na história e esqueciam trechos dela. Era muito mais fácil se distraírem brincando com algum dado em cima da mesa do que interpretando. Eles tinham seis e oito anos. Então, ano passado, comecei a levá-los para eventos e se interessaram pela coisa. Jogam comigo esporadicamente há um ano e tem 10 e 12 anos hoje, sendo que o mais velho inclusive já é mestre de um sistema que ele mesmo inventou para adaptar Dragon Ball. Nesta idade, já entendem conceitos gerais, se prendem na história, tem gostos bem definidos (lembrem-se que um dos papéis do mestre é divertir os jogadores) e mesmo tem certo domínio da matemática básica para que possam ao menos aplicar modificadores rapidamente. Aos dez, a maioria das crianças já entende legal conceitos como morte, magia, luta, religião ou política ainda que “por alto”, o que vai fazer o enredo fluir.

Cenário adequado – depende do moleque.

Há quem defenda que crianças devem jogar RPGs que fujam da violência, mas considero isso um erro. Claro que estou me referindo à crianças com dez ou mais anos e, se por acaso você conseguir mestrar para meninos e meninas com seis anos, por exemplo, acho que pode ser uma boa, mas vai sempre depender do menino(a). Meus filhos (quase) todos curtem filmes de terror e começaram assistindo A Noite dos Mortos-Vivos (o remake de 1990 é meu preferido) comigo aos dois anos de idade sendo que o filme preferido da minha mais nova é Madrugada dos Mortos do Zack Snyder. No meu caso, posso e devo mestrar terror para os filhos que está OK. Divertimento garantido, mas recomendo isto: conheça BEM a criança antes, pois muitas estão passando por problemas e uma cena mais barra-pesada pode suscitar memórias reprimidas. O que quero dizer é que não existe cenário ideal, mas cenário adequado para público adequado.

Regras – quanto menos, melhor

Tá, a criança já manja matemática e vai entender coisas como flanquear, ataques de oportunidade, a aleatoriedade dos dados e o caralho a quatro, mas vai querer brincar. Por isso, regras simples e diretas, focando mais numa interpretação prática e em ação fluida é muito melhor. Uso isso até para adultos e por isso mesmo dá para fazer um grupo de jogadores com gente de 12 a 42 anos, dependendo mais das crianças do que de qualquer coisa. Para a molecada, o importante vai ser poderem contar com os grandes feitos na memória e não aquela jogada de dados incrível em que tudo deu certinho. Claro que uma jogada dessas também vai ficar na memória, mas muitas vezes você pode só usar o bom senso e ver que aquele monstro tinha mais é que morrer mesmo!

Descrições – quanto mais, melhor

Como disse antes, é muito fácil ficar distraído com os dados coloridos e com muitos formatos diferentes quando se tem dez anos de idade. Uma das coisas que você deve fazer é chamar atenção à todo momento para a história. Você vai fazer isso de muitas formas, mas a que vai dar menos trabalho e que vai tornar tudo mais vívido é descrever tudo o que os cerca o tempo todo. Parece que vai dar muito trabalho, mas não vai. Só vai te deixar um pouco rouco

Meu escritor favorito é H. P. Lovecraft e ele dizia “nunca explique nada”, querendo dizer que ao contar uma história você deve ao invés de ser minucioso sugerir o que acontece e deixar que a mente de quem escuta complete a coisa. Isso quer dizer quer você deve falar o que cerca os personagens, mas há um jeito certo e um errado de fazer isso.

Exemplo de jeito errado: “A antiga porta de metal, reforçada com grandes rebites, está escancarada bem à frente de vocês. No outro cômodo há um monstro que parece já ter sido humano em algum outro momento do passado. Ele tem maquinário saindo de suas costas com vapor saindo por alguns tubos. A carne é rota e frouxa em muitos pontos de sua anatomia e ele tem um membro robótico galvanizado onde deveria estar seu braço esquerdo e, ao ver vocês, avança lentamente com essa garra metálica estalando diabolicamente. Ele está vestido como um açougueiro, imundo do sangue de suas vítimas!”

Exemplo de jeito certo: “Há uma outra porta. Lá dentro há um monstro. De repente ele vê vocês, levanta uma mão em forma de pinça de metal e vem andando. Ele não é blindado ou usa capacete. Só é feio e tem metal nas costas.”

Pode contar que as crianças vão completar o que precisarem para matar o monstro, que só está ali para ser morto.

Se precisar explicar mais que isso, usa uma foto ou um vídeo de dez segundos ou um áudio. Faça macacada, interprete bem as reações dos que falam com os personagens, faça piadas com as jogadas ruins para descontrair – como no caso de alguém que tenta se esconder e deixa a bunda de fora da moita – para que levem sempre tudo na esportiva e lembrem aos jogadores, todos iniciantes, que tudo não passa de faz-de-conta e que separem os personagens deles mesmos.

Use a dicotomia Bem versus Mal

É claro que o monstro está ali para ser morto. Só é feio para dar impacto e marcá-lo como inimigo. Na cabeça das crianças não existem tons de cinza e você é do bem ou do mal. Eu fiz personagens complexos antes e tive de ouvir várias vezes em ocasiões distintas algo como “ele é do bem ou do mal?”. Deixe tudo as claras: se não gosta de clichês de monstros maus e mocinhos bonitos, faça monstros bons e mocinhos maus, mas deixe claro quem é amigo e quem é inimigo. As crianças com mais de 10 anos irão entender alguém disfarçado de bom que na verdade é mau, mas não uma pessoa boa e má ao mesmo tempo, como na vida real.

Não subestime seus jogadores

Eles são crianças, não idiotas! Faça um jogo respeitando-os como indivíduos capazes de se virar, que entenderão os vieses que aparecerem e só aponte a direção a seguir se estiverem completamente perdidos. Se o grupo for misto, com jogadores infantis e adultos, garanta que os mais velhos sejam inspiradores, mas não controladores. Procure manter um tempo equivalente para cada jogador, sem privilegiar mais jovens ou mais velhos. Faça os garotos lutarem para conseguirem coisas boas durante a sessão de jogo e aí irão valorizar itens mágicos. As balas não podem durar pra sempre e você, mestre, deixe isso claro antes delas acabarem. Isso dará um peso ao jogo, tornando-o palpável e os personagens responsáveis.

Semana que vem tem mais, pessoal!

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