Parte 2 – Mudando
Ele voou.
Já fora baleado antes. Seu corpo se recuperava em alguns
minutos e em horas só havia uma mancha esbranquiçada onde a bala havia entrado.
Normalmente a bala não ficava alojada, mas quando era assim ele mesmo reabria a
ferida tempos depois para arrancar o intruso de metal.
Dessa vez era diferente, pois usaram uma escopeta e uns
cinquenta bagos de chumbo ente estavam entro de seu peito. Não fosse pela
resistência de seus ossos, seu coração teria sido dilacerado, podia sentir os
pulmões em frangalhos. O metal estava quente dentro dele e doía demais. Sua
regeneração aprimorada não o impedia de sentir muito medo naquele momento.
Mas ficou quieto, fingindo de morto. Os dois entraram falando
muito e revirando tudo às pressas. Ele, o monstro, estava com os olhos
semiabertos e imóveis, mas podia ver parte da ação. Os ouvidos e olfato estavam
inúteis pela ação da arma.
- Não pensei que iria matar ele!
- Você disse que ele era perigoso e viu que eu estava armado.
Queria o quê?
- Sei lá, que assustasse ele.
- Aí ele viria atrás de nós, burra!
Já podia sentir os tecidos se reorganizando. Isso doía
também. Queria vomitar, mas o homem da arma estava muito ansioso e podia atirar
de novo caso algo o assustasse.
- Onde ele guardava o dinheiro?
- Não sei, estava sempre com ele... nas calças!
Agora estavam arrancando as roupas dele, que se deixava
manipular como um boneco. O sangue os impediria de ver o rombo no peito
melhorando. “Mais um pouco”, pensou.
- Que cara esquisito. Eu pense que era bem magro, mas é muito
forte e pesa como um gordo.
- É bem mais forte do que você pensa.
Agora ela passava a mão direita pelos cabelos dele. Um óleo
natural deixava os cabelos incrivelmente sedosos e fortes, como os de comercial
de xampu, desde que ele se alimentasse bem. A vontade de lutar e de foder
conflitavam dentro de si, mas o ódio começou numa escalada que dificilmente
conseguiria segurar.
- Ele começava sempre me chupando. Era o único que fazia isso
e era de um modo muito especial. Daí subia em mim e me segurava com muita
força, sem necessidade. Metia que nem um doido, cada vez mais forte e rápido. A
xana ficava seca e ele seguia metendo. Tirava sangue e eu gritava, só que ele
ficava mais excitado. Fincava as unhas nos meus ombros e também tirava sangue.
Uma vez pedi para ficar de quatro para aliviar a dor dos ombros e ele me currou
com a mesma força. Furou meu intestino com a rola e passei um mês no hospital.
Ele sempre pagou por tudo isso e por isso eu voltava.
- Porra nenhuma. Tou vendo que você gostava dele.
“Droga, ainda não!” foi a última coisa que pensou antes da
besta assumir o controle. Um instante depois mordia a mão dela com tanta força
que fissurou dois metacarpos. Uma dor aguda subia o braço da puta ao mesmo
tempo em que um frio subia pela espinha do homem. “Ele está vivo?”. A coisa que
se levantou do chão com um pequeno salto e pousou com facilidade no peito do rival,
desarmando-o com um movimento displicente como quem espanta um inseto e arrancou
a face do cafetão à dentadas. A mulher tentou fugir e teve o joelho virado pra
trás com um chute. O som lembrava o de um ganho se partindo debaixo d’água.
Ela gritava segurando a perna. Ele gritava sob o peso do
canibal. Ninguém aparecia.
A mulher começou a tirar a roupa. Numa tentativa fútil de
sobreviver, como se seu inimigo tivesse opção de deixa-la ir, começou a dizer
que ele poderia lhe comer como quisesse, menos como estava fazendo com o homem
que entrou com ela. Claramente percebia que não era uma pessoa ali com ela, mas
tentava negociar assim mesmo. Para a fera, ela não parecia mais atraente. Não
como fêmea, ao menos. Terminou de matar o homem abrindo seu pescoço com ambas
as mãos, se levantou e foi ao banheiro, aparentemente esquecido da segunda
visitante. Começava a recobrar a consciência e precisava se lavar e sair logo
dali. O ataque seria certamente atribuído a um animal e ninguém acreditaria na
palavra de uma viciada no estado da Pâmela. Sentia que o zunido nos seus
ouvidos melhorava quando ouviu um leve som metálico atrás de si e saltou pro
lado.
BLAM
- Seu fodido!
Não estava mais furioso, mas estava claro o que precisava
fazer com a mulher. Tirou a arma dela com um puxão.
- Não devia ter feito isso.
Ele segurou a cabeça dela com as mãos e mastigou o rosto
dela, mas não foi como o que fez com o homem. Mordia para parecer ataque de
animal, mas propositalmente arrancou a língua e os olhos. Também não matou a
desgraçada. Além de não poder mais identificá-lo para as autoridades, nunca
mais poderia vender seu corpo ou ganhar dinheiro suficiente para comprar as
drogas. Se não encontrasse uma forma de se matar, iria sofrer mais pela
abstinência do que pelas feridas e aparência, ao menos por uns meses, daí resolveu
destruir os pés e mãos também. Imaginá-la inválida e sofrendo lhe dava muito
prazer e se tivesse mais tempo iria fazer muito mais. A polícia sempre demorava
a chegar a bairros como aqueles, mas não iria estragar tudo ficando mais que o
necessário. “Quem é o fodido e quem é o fodão?”, disse logo antes de estourar
ambos os tímpanos dela com as palmas das mãos, deixando-a para sempre no escuro
e no silêncio.
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