segunda-feira, 22 de dezembro de 2014





Dicas de mestre – terror!

Eu sou fã de terror desde muito jovem. Botei todos os meus filhos, amigos e esposa para assistirem todos os filmes que pude convencê-los a ver e posso dizer que fiz alguns gostarem ou ao menos respeitarem o gênero. Pra mim, terror/horror bom é aquele que quebra paradigmas, que inicia algo novo, que te tira da zona de conforto. É por isso que temos bons e maus filmes de terror: os que só tentam aproveitar moda não trazem nada de novo.

No RPG não é diferente. Se você for fazer sempre uma variação da mesma campanha, as pessoas irão trocar o jogo por videogame. Nada melhor do que fazer um jogo de horror repleto de “novidades”.

Não vou me ater aos sistemas. O que eu vou escrever aqui tem a ver com a minha experiência com RPGs voltados ao tema, mas podem tranquilamente ser utilizadas em GURPS, D&D, Tormenta...

 1 – Conheça os jogadores e seus medos

A história tem de mexer com os jogadores, por isso o mestre precisa saber o que vai tirar os jogadores da zona de conforto e isso os levará ao próximo nível. Ao mestrar, ele precisa ficar atento às variações de humor dos jogadores para “pegar deixas” de que estão tensos e explorar o que quer que os tenha deixado assim.

Outro motivo importante são as fobias. Se alguém no jogo tem medo de multidões, por exemplo, e você o cerca de mortos-vivos, ele pode tanto se identificar quanto ficar extremamente perturbado com a situação. O intuito do jogo é se divertir com os amigos e ninguém deve sair de lá com uma má sensação.

Os jogadores também precisam querer jogar terror, ou nada feito. Não vai prestar um monte de gente querendo fazer piadas e desviando a atenção para o clima que está tentando criar e isso só acontece quando há gente demais na mesa ou o grupo está desinteressado.
 

2 – Tema

Existem muitos temas de horror. Eu prefiro aqueles filmes em que a tensão é crescente, os planos vão dando errado, tudo fica cada vez mais sufocante e no fim inventam um plano desesperado fadado ao fracasso. Os filmes de zumbis decentes são assim, mas há outros que não tem essa rotina e não deixam de ser bons, assim como há os que inventam outras fórmulas e afundam terrivelmente. Não deixe que isso aconteça com seu jogo.

Basicamente há os seguintes tipos de filmes de terror: tensão crescente, sangrento e assustador, onde alguns têm elementos dos outros. O de tensão crescente eu já expliquei como é com o exemplo dos mortos-vivos. Os sangrentos – ou gore – são aqueles filmes em que história é praticamente acessória e que mostra basicamente gente sendo despedaçada. Não costuma funcionar muito bem com RPG. O assustador é aquele em que o monstro/assassino pula de repente. Costuma ter elementos de gore, mas não é tão sangrento quanto. Esse funciona legal.

 Ideia de jogo acachapante, torturante, tensão crescente: os jogadores se perdem na mata. Nada do que eles fazem para se localizar dá certo e fica cada vez mais escuro. Os sons naturais da mata à noite não aparecem e um silêncio sepulcral se instala. Começam a ver uma garota que os leva para algum lugar e termina sendo um engenho abandonado. A garota dá sinais claros de ser um fantasma. Ela nunca fala, só aparece em alguns lugares na mata e nunca no engenho. Lá dentro, é tudo muito escuro, velho, madeira estala, mas cai uma tempestade sobrenaturalmente forte que os obriga a se abrigar ali. Uma vez lá dentro, a porta se fecha para sempre. Conforme exploram tudo com a parca luz de umas velas ou tochas, têm pequenos sustos como uma ratazana saindo de dentro de um baú que abrem ou uma escada que desaba com o peso dos jogadores. Invente algo terrível e frenético para a meia noite e a história estará completa.


Ideia de jogo com sustos: contratados para resolver um caso recorrente de roubo, os jogadores têm pouquíssima informação sobre o ladrão, exceto que ele parece adivinhar quando aparecem coisas boas para serem roubadas. O proprietário não quer envolver a polícia para não atrapalhar o status da família, famosa na cidade. A propriedade é muito grande e fica nos arredores da cidade. Logo na primeira noite de vigília, os jogadores podem ver claramente um homem avançando pela entrada principal, cruzando o gramado enorme, usando uma máscara/um elmo que lhe cobre a cabeça totalmente. Cercam o homem e dão voz de prisão, mas ele ignora e avança no aparentemente mais fraco (um NPC) e vomita chamas explosivas nele através de uma abertura na altura da boca. O homem corre desesperado e os personagens atacam. O homem não se defende e os golpes/facadas/tiros só o fazem rir de uma maneira muda, sacudindo os ombros, daí ele tira sua arma da cintura, um(a) espada/foice/facão/machado que entra em combustão espontânea, dá duas pancadinhas na cabeça com o lado da lâmina produzindo um som metálico oco e arrepiante. A partir daí, a aventura passa a ser um jogo de gato e rato, onde o inimigo avança lenta e inexoravelmente pela propriedade, matando quem encontrar e resistindo à toda sorte de planos assassinos dos jogadores. Há uma forma de o matar definitivamente, mas é uma forma que só descobrirão por tentativa e erro... espera-se.

É bom fazer personagens descartáveis aqui ;)

Vale lembrar que uma boa descrição de tudo é fundamental, pois conforme a tensão for aumentando ou o monstro resistindo, os jogadores vão tentar explorar tudo. Faça uma descrição tétrica e misteriosa, deixando espaço apenas para que a imaginação faça seus cérebros dar cambalhotas dentro da cabeça.

3 – Medo e ignorância, ignorância e medo

Uma das coisas que fez clássicos como A Bolha Assassina e A Noite dos Mortos-Vivos serem o que são foi a pouquíssima informação das pessoas sobre um inimigo que estava matando geral.

O que são os malucos lá fora? É uma doença? Foi radiação? Eles estão vivos ou mortos? Como matar o que já está morto? Será que, se eu me esconder aqui e resistir, amanhã alguém virá me buscar, tipo o exército? Há mais alguém vivo ou somos os últimos?

Contra a bolha usaram explosivos, fogo, balas, atropelamento, lâminas, congelamento e nada disso a matou. Ela também passou por quase todas as barreiras entre ela e suas vítimas. A bolha não tinha olhos, ouvidos, pele... mas parecia saber exatamente para onde ir quando o assunto era comer gente. O que diabos é isso?

“Nunca explique nada” é uma frase de H. P. Lovecraft sobre o assunto horror. Queria dizer “descreva tudo e não explique nada”.

Algo inédito ou ao menos completamente inesperado também vai levar os jogadores ao desespero, o que é bom. Exemplos:

- Zumbis que só morrem por decapitação ou tiro no coração ;
- Vampiros que roubam o sangue ou o ar das vítimas à distância;
- Todos em cargos importantes são alienígenas ou aliados deles;
- Monstros estão copiando pessoas. Qualquer um pode ser um deles e se souberem que você sabe, você morre;

Note que essas ideias foram tiradas de filmes ou lendas e nenhuma é realmente original. Mas irão desestabilizar os jogadores e obrigá-los a serem criativos.

Truques bons podem fazer os jogadores pensarem que seus planos não dão certo porque são burros, que há traidores entre eles e por aí vai. O importante é levar os caras a não terem certeza de nada, o que naturalmente levará ao pânico.

4 – Sem escapatória, sem amigos, sem futuro aparente

Os zumbis aparentemente comeram todos NO MUNDO e vocês agora vivem PARA SEMPRE num shopping. Se eles entrarem, acabou. Essa era a premissa de filmes como Madrugada dos Mortos e Dia dos Mortos, só que em Dia era uma base militar. Com o passar do tempo, o pessoal queria se matar. Isso acontece porque espaços limitados e a impossibilidade de sair deixa qualquer um louco. Mesmo os detentos de uma penitenciária sabem que ali é completamente seguro e que um dia sairão, desde que ninguém os mate lá dentro. Nem isso os jogadores podem ter em seu jogo.

Eles também podem estar num avião, numa ilha, num cinema ou num grande prédio, mas o importante é que não podem sair.

Não há amigos e ninguém está vindo salvá-los. Se você colocar isso em jogo, será para dar falsas esperanças. Os amigos morrem miseravelmente bem na frente dos jogadores. O helicóptero parte levando NPCs e promete voltar, mas cai inexplicavelmente um minuto depois de levantar voo, explodindo cinematograficamente.

5 – Mate os filhos das putas!

É horror e gente vai morrer. Ninguém precisa morrer, mas a chance de isso acontecer é muito grande e quase garantida. Vai ser difícil permanecer vivo. As chances estão contra os jogadores, as armas não são o bastante contra os inimigos, que são muito mais numerosos/poderosos e todos que tentaram bater de frente não só fracassaram como morreram aos gritos ou tiveram um fim ainda pior que a morte. Assim, seja justo e franco, deixe todos perceberem que podem morrer a todo instante e não tenha pena de ninguém.

Se possível, torne a morte do jogador memorável, épica, tétrica ou coisa assim. Vai ser mais uma história para ele contar por aí.