quinta-feira, 17 de julho de 2014


Capítulo final da Saga do Saco!

No último capítulo de nossa Saga, nosso herói iria passar por uma deferentectomia – vasectomia, para os íntimos – na Maternidade Moura Tapajós quando uma tempestade Tropical destruiu o Centro Cirúrgico, que precisou entrar em reformas. Não havia data para que estas reformas acabassem.

Na semana passada, dia 09/07/14, recebi uma ligação que me informava que estava tudo pronto para o procedimento, que estava remarcado para o dia 16/07/14, às 18:00. Minha esposa, a Bonitona Nilsandra Maria, temia que Antigos Espíritos do Mal estivessem empatando a cirurgia e me pediu para não contar para ninguém. Precisei contar para algumas pessoas, tais como a minha Gerente e a Gerente que cuida do ponto no meu trabalho, mas foi só.

No dia da cirurgia, fiquei em casa a manha toda. Descansei bem e me alimentei o melhor que pude. É um procedimento simples, mas tomar cuidados nunca é ruim. Eu precisava também tomar alguns remédios, um anti-inflamatório e analgésico juntamente com um antibiótico, além de me depilar.

Depilar deu um bom trabalho, pois não precisava só baixar os pelos, mas raspar a coisa toda. Gostaria de contar os detalhes sórdidos, mas como levei mais de meia hora nisso, tomando cuidado para não me cortar, vou só dizer que os que forem passar por esse tipo de cirurgia, que paguem por um serviço profissional um dia antes para evitar aporrinhações. Se você se ferir durante a depilação, não pode passar por vasectomia: tens de estar com o bagulho intacto pro médico poder te cortar legal.

Estava rolando uma greve de ônibus em algumas empresas de transportes públicos em Manaus, daí nós tivemos de ir cedo pro hospital, onde eu só precisava levar a identidade, mas levei também a minha carteira do SUS e a receita médica que havia conseguido lá. Seguro morreu de velho. Às 15:30 estávamos só esperando nosso transporte.

Estava já alimentado e havia tomado meus medicamentos. Estranhava não estar nem um pouco nervoso, conversando amenidades com a minha esposa, mas em retrospecto atribuo isso à fé na ciência, ao fato de ter lido muito sobre o assunto e conversado com dezenas de pessoas sobre o assunto, de ter certeza da minha decisão e de estar em companhia da mulher mais interessante que eu conheço.

Chegamos antes das 16:40. Conversamos com o pessoal da recepção e tivemos de esperar um pouco antes de fazer a ficha, feita uns 20 minutos depois. Continuava supertranquilo. Fomos à um corredor que eu conhecia muito bem: área da Assistência Social. Minha aversão com esse tipo de profissional estava sob controle, já que era só esperar minha vez, e mesmo fiquei batendo papo com a senhora que lá estava. Também fiquei conversando com o enfermeiro Daniel. Durante o resto do tempo que fiquei por lá, conversei muito com o homem e posso dizer que ficamos amigos.

O enfermeiro me disse que o médico, a despeito do que havia sido agendado, costumava chegar entre 19:00 e 19:30. Avisamos ao Irmão Rômulo, que ficou de me buscar no hospital depois de capado, mas às 18:10 me levaram ao Centro Cirúrgico.

A Moura é muito maior por dentro. É um labirinto, onde apenas meu guia sabia pra onde me levar. Havia um outro homem na fila da castração e ele logo apareceu por lá. Este havia sido chamado antes da hora esperada porque aconteceu uma desistência. Lá são operados três homens por noite e só nós dois chegamos. Daniel disse que se os outros dois chegassem, o outro homem teria de voltar pra casa com o saco intacto (não nesses termos). Comentei que ele tinha uma margem de segurança de dois caras quando, do nada, apareceu um dos dois que estavam ausentes, já depois das 18:30. Isso deixou o nosso substituto mais ansioso.

Por isso que eu gosto do SUS. É emocionante!

Fiz a minha parte dizendo para quem quisesse ouvir que ele estava lá na hora certa e que merecia ser operado, ao contrário do desistente, mas Daniel me explicou que eram as normas e que o médico não seria demovido da decisão de seguir a fila direitinho. Lá me deram uma bata estranha, em que você se enrola, além de uma espécie de capa para os cabelos e pés.

Fui levado algum tempo depois ao local aonde tudo aconteceria. Era a mesma sala onde operam as mulheres no caso de cesariana. A primeira coisa que notei foi que a sala, incrivelmente pequena, com por volta de 9 metros quadrados, possuía um condicionador de ar split do tamanho de uma geladeira média, que estava apontado para onde minhas coisas descobertas estariam. E sou friorento. Comentei isso com o enfermeiro que me disse “e o médico é calorento, então...”, mas arrumou a temperatura para 24°C. Havia uma espécie de maca feita para se operar mulheres, com um saco com o símbolo que tenho tatuado no ombro esquerdo bem no meio das pernas. Uma lembrança do que muitas mulheres, incluindo a Mama e a Bonitona, têm de passar para nos trazer ao mundo. Minha operação seria muito mais simples e até mesmo a minha mesa de operações era supersimples. Pedi para ficar de pé, pois ainda era muito frio pra mim. Ele me contou, passo a passo, como seria e que sensações eu teria, coisa que a gente não lê em lugar algum e que eu vou divulgar aqui:

Primeiro a minha bata seria levantada e o médico faria uma assepsia com um produto, removendo depois o excesso.

Depois ele apalparia para encontrar o canal a ser cortado e manteria a mão esquerda segurando a coisa.

Daí ele diria “anestesia” e o Daniel lhe passaria uma seringa de anestesia com uma agulha de insulina, que é muito pequena.

Essa agulhada iria dor, mas não mais que a própria anestesia, que deveria arder. Segundos depois, ficaria dormente.

Ele faria os procedimentos e daí passaria pro outro.

No fim, gaze e esparadrapo.

Mostrei minha tatuagem para o enfermeiro e o Daniel, pela nossa conversa, percebeu que eu era roqueiro. Disse que tinha uma banda e fez questão de me dar o CD de sua banda Humanos (rock nacional, autoral, com estilos variando bastante de faixa pra faixa), que escuto enquanto digito isso aqui. Ele é baixista e vocalista. A partir daí falamos de amenidades, sobrepeso e claro, música. Indicamos bares, falamos do Dia Mundial do Rock passado e ele me mostrou o que ouvia no seu celular, que ia de Cássia Eller à Dire Straits, passando por Raimundos. Ouvindo seu CD eu entendo o porquê de sua banda ser tão eclética.

Ele saiu para ver a situação dos outros pacientes, se havia chegado mais alguém, e eu fiquei olhando os instrumentos e andando de um lado pro outro pra me esquentar. Ainda não estava nervoso, o que era bom e estranho ao mesmo tempo. Era como se não fosse acontecer nada. O médico apareceu, olhou pra dentro, eu dei olá, ele respondeu e saiu chamando “Daniel”. Minutos depois estavam já com a roupa para opção, as máscaras, a touca e os instrumentos OK. Eu já estava deitado.

Conversamos durante todo o curso da cirurgia. A primeira providência do médico foi substituir a música do Daniel por uma versão “de elevador” de U2. Quando eu levantei a bata, o frio aumentou muito e eu comentei isso com o médico, que disse “daqui a pouco eu vou te isolar”. Na hora eu não sabia o que era isso, que é te cobrir com um cobertor com um buraco apenas na área à ser operada. Os passos correram mais ou menos como o enfermeiro havia me explicado, mas as diferenças foram as seguintes:

O produto da assepsia é gelado de verdade. Pensava que estava com frio na hora que o vento me bateu porque não sei nada e sou inocente. Comecei a tremer violentamente e tive de botar as mãos embaixo das pernas, já que seus braços tem de ficar longitudinalmente arrumados em relação ao corpo.

Apalmar não é nada e a cutucada da agulha é como dar um puxão num pentelho: dói, mas não é nada que você não aguente.

A anestesia não arde, mas dói mesmo! É como se estivessem lhe pressionando entre dois dedos firmes o testículo ligado ao canal deferente que recebe o líquido. Dói à ponto de eu dar um grito abafado e encolher levemente a perna, mas 30 segundos depois você não sente mais nada, só alívio.

Senti o saco balançando enquanto operavam, mas não conseguia sentir absolutamente nada. Estava tão incrédulo que tive de perguntar pro médico “já está cortando, doutor?”. “Já!”, foi a resposta, mas ele estava já na parte das suturas do primeiro canal. Fiquei contente, mas finalmente consegui ficar um pouco ansioso, pois sabia o que esperar nos próximos momentos: a sensação de esmagamento da bola esquerda. A dor veio e, talvez por estar já ciente dela, prestei atenção demais nisso que pareceu demorar mais, mas aí veio o tal alívio refrescante. Pelo menos serviu para me distrair do frio congelante no saco desprotegido.

De repente o médico me perguntou se eu precisaria de atestado médico. Estava castrado! Disse que sim e ele perguntou meu nome. Respondi e ele saiu.

O Daniel me disse que faria o curativo, que nada mais era do que um suporte pra aumentar o conforto do saco. Disse ainda que o segredo era manter a cueca e tomar banho só no dia seguinte, colocando gelo para diminuir o inchaço por cima de tudo assim que chegasse em casa e fazer isso nas próximas 24 horas, além de tomar os remédios direito e todas as coisas que um cara operado deve fazer e evitar fazer. Me despedi dele e do médico, que encontrei no corredor, dizendo que foi muito importante pra mim. Peguei meu atestado e saí.

Encontrei o terceiro da fila no vestiário. Ele me fez diversas perguntas. Estava muito ansioso. Fiz o melhor para tranquiliza-lo e fui ao encontro da minha esposa e irmão, mas me perdi no labirinto de corredores. As placas de saída estavam lá só para atrapalhar e eu estava levemente bêbado da anestesia e só agora me dava conta disso.

A operação em si levou talvez uns 15 minutos, mas como entrei no Centro Cirúrgico às 18:10 e saí de lá às 19:40 a minha esposa pensava que estavam fazendo já uma operação de mudança de sexo ou coisa assim...

O nome do médico é Márcio Cortês e sua especialidade é cirurgia em aparelho digestivo. A vasectomia é tão simples que não precisa de um especialista apenas para isso. Dizem que no futuro será coisa de ambulatório.

Escrevo isso pouco mais de 17 horas depois da operação. O dia seguinte é mais chato, mas á só uma chatice mesmo. Tomei banho pela manhã e apesar do curativo estar ensanguentado as feridas estavam secas e só pouca coisa inchadas em volta. Os pontos são quase imperceptíveis e creio que a cicatriz vai ser realmente invisível depois que os pontos caírem, o saco desinchar e os pelos aparecerem. O que sinto hoje sequer tem a ver com os cortes, mas com o efeito da anestesia. Os amigos que levaram pancadas no saco sabem da dor reflexa na barriga, que perdura levemente no dia seguinte. A dor é essa mesma, a de um sabonete que escorregou da sua mão e lhe acertou os ovos de raspão...

...nada comparado ao que sentiria sua esposa no caso de uma laqueadura. Por fora, leva de três a seis meses para que as sete camadas cortadas se regenerem. Por dentro, a mulher vai continuar sentindo dores e sensações estranhas por anos! Se você tentou outros métodos anticoncepcionais e não funcionou e ainda tem mais de três filhos vivos, faça a vasectomia. É melhor e logo vais ficar bom. Não deixe que sua esposa passe por todo esse sofrimento, que é tão agressivo quanto uma cesariana. Estou com um atestado médico de três dias que vai engatar com o final de semana e ficarei só relaxando, mas há hospitais que lhe dão até uma semana pra ficar em casa. Quanto aos filhos, é muito difícil sustentar muitos filhos de uma vez, mesmo com ajuda, e tanto você quanto eles e a esposa sofrerão privações diversas durante muitos anos porque você não quis passar por algo que leva só uns minutos pra resolver e que não deixa qualquer sequela.


Vasectomia é um ato de amor para com seus filhos e esposa.

Um comentário:

ALMA MINHA, MUNDO TEU. disse...

Vasectomia é uma das maiores declarações de amor que um homem pode fazer para sua esposa! Uma cirurgia simples, diria até - boba! Mas na mulher é uma cirurgia grande, com muito mais riscos e de cicatrização tardia! Parabéns mano velho, por tamanha consciência, e principalmente por ter encontrado o seu amor nessa vida, que é curta demais! Deus os faça ainda mais felizes do que já o são! Parabéns!

obs: Márcio Cortez é um dos melhores cirurgiões do Amazonas, muito me espanta ele fazer essa cirurgia tão simples - que é a vasectomia masculina!