Capítulo final da Saga do Saco!
No último capítulo de nossa Saga, nosso herói iria passar por
uma deferentectomia – vasectomia,
para os íntimos – na Maternidade Moura Tapajós quando uma tempestade Tropical
destruiu o Centro Cirúrgico, que precisou entrar em reformas. Não havia data
para que estas reformas acabassem.
Na semana passada, dia 09/07/14, recebi uma ligação que me
informava que estava tudo pronto para o procedimento, que estava remarcado para
o dia 16/07/14, às 18:00. Minha esposa, a Bonitona Nilsandra
Maria, temia que Antigos
Espíritos do Mal estivessem empatando a cirurgia e me pediu para não contar
para ninguém. Precisei contar para algumas pessoas, tais como a minha Gerente e
a Gerente que cuida do ponto no meu trabalho, mas foi só.
No dia da cirurgia, fiquei em casa a manha toda. Descansei
bem e me alimentei o melhor que pude. É um procedimento simples, mas tomar
cuidados nunca é ruim. Eu precisava também tomar alguns remédios, um anti-inflamatório
e analgésico juntamente com um antibiótico, além de me depilar.
Depilar deu um bom trabalho, pois não precisava só baixar os pelos,
mas raspar a coisa toda. Gostaria de contar os detalhes sórdidos, mas como
levei mais de meia hora nisso, tomando cuidado para não me cortar, vou só dizer
que os que forem passar por esse tipo de cirurgia, que paguem por um serviço
profissional um dia antes para evitar aporrinhações. Se você se ferir durante a
depilação, não pode passar por vasectomia: tens de estar com o bagulho intacto
pro médico poder te cortar legal.
Estava rolando uma greve de ônibus em algumas empresas de
transportes públicos em Manaus, daí nós tivemos de ir cedo pro hospital, onde
eu só precisava levar a identidade, mas levei também a minha carteira do SUS e
a receita médica que havia conseguido lá. Seguro morreu de velho. Às 15:30
estávamos só esperando nosso transporte.
Estava já alimentado e havia tomado meus medicamentos.
Estranhava não estar nem um pouco nervoso, conversando amenidades com a minha esposa,
mas em retrospecto atribuo isso à fé na ciência, ao fato de ter lido muito
sobre o assunto e conversado com dezenas de pessoas sobre o assunto, de ter
certeza da minha decisão e de estar em companhia da mulher mais interessante
que eu conheço.
Chegamos antes das 16:40. Conversamos com o pessoal da
recepção e tivemos de esperar um pouco antes de fazer a ficha, feita uns 20
minutos depois. Continuava supertranquilo. Fomos à um corredor que eu conhecia
muito bem: área da Assistência Social. Minha aversão com esse tipo de
profissional estava sob controle, já que era só esperar minha vez, e mesmo
fiquei batendo papo com a senhora que lá estava. Também fiquei conversando com
o enfermeiro Daniel. Durante o resto do tempo que fiquei por lá, conversei
muito com o homem e posso dizer que ficamos amigos.
O enfermeiro me disse que o médico, a despeito do que havia
sido agendado, costumava chegar entre 19:00 e 19:30. Avisamos ao Irmão Rômulo,
que ficou de me buscar no hospital depois de capado, mas às 18:10 me levaram ao
Centro Cirúrgico.
A Moura é muito maior por dentro. É um labirinto, onde apenas
meu guia sabia pra onde me levar. Havia um outro homem na fila da castração e
ele logo apareceu por lá. Este havia sido chamado antes da hora esperada porque
aconteceu uma desistência. Lá são operados três homens por noite e só nós dois
chegamos. Daniel disse que se os outros dois chegassem, o outro homem teria de
voltar pra casa com o saco intacto (não nesses termos). Comentei que ele tinha
uma margem de segurança de dois caras quando, do nada, apareceu um dos dois que
estavam ausentes, já depois das 18:30. Isso deixou o nosso substituto mais
ansioso.
Por isso que eu gosto do SUS. É
emocionante!
Fiz a minha parte dizendo para quem quisesse ouvir que ele
estava lá na hora certa e que merecia ser operado, ao contrário do desistente,
mas Daniel me explicou que eram as normas e que o médico não seria demovido da
decisão de seguir a fila direitinho. Lá me deram uma bata estranha, em que você
se enrola, além de uma espécie de capa para os cabelos e pés.
Fui levado algum tempo depois ao local aonde tudo aconteceria.
Era a mesma sala onde operam as mulheres no caso de cesariana. A primeira coisa
que notei foi que a sala, incrivelmente pequena, com por volta de 9 metros
quadrados, possuía um condicionador de ar split
do tamanho de uma geladeira média, que estava apontado para onde minhas coisas
descobertas estariam. E sou friorento. Comentei isso com o enfermeiro que me
disse “e o médico é calorento, então...”, mas arrumou a temperatura para 24°C. Havia uma espécie de maca feita para se operar mulheres,
com um saco com o símbolo que tenho tatuado no ombro esquerdo bem no meio das
pernas. Uma lembrança do que muitas mulheres, incluindo a Mama e a Bonitona,
têm de passar para nos trazer ao mundo. Minha operação seria muito mais simples
e até mesmo a minha mesa de operações era supersimples. Pedi para ficar de pé,
pois ainda era muito frio pra mim. Ele me contou, passo a passo, como seria e
que sensações eu teria, coisa que a gente não lê em lugar algum e que eu vou
divulgar aqui:
Primeiro a minha bata seria levantada e o médico faria uma
assepsia com um produto, removendo depois o excesso.
Depois ele apalparia para encontrar o canal a ser cortado e
manteria a mão esquerda segurando a coisa.
Daí ele diria “anestesia” e o Daniel lhe passaria uma seringa
de anestesia com uma agulha de insulina, que é muito pequena.
Essa agulhada iria dor, mas não mais que a própria anestesia,
que deveria arder. Segundos depois, ficaria dormente.
Ele faria os procedimentos e daí passaria pro outro.
No fim, gaze e esparadrapo.
Mostrei minha tatuagem para o enfermeiro e o Daniel, pela
nossa conversa, percebeu que eu era roqueiro. Disse que tinha uma banda e fez
questão de me dar o CD de sua banda Humanos
(rock nacional, autoral, com estilos variando bastante de faixa pra faixa), que
escuto enquanto digito isso aqui. Ele é baixista e vocalista. A partir daí
falamos de amenidades, sobrepeso e claro, música. Indicamos bares, falamos do
Dia Mundial do Rock passado e ele me mostrou o que ouvia no seu celular, que ia
de Cássia Eller à Dire Straits, passando por Raimundos. Ouvindo seu CD eu
entendo o porquê de sua banda ser tão eclética.
Ele saiu para ver a situação dos outros pacientes, se havia
chegado mais alguém, e eu fiquei olhando os instrumentos e andando de um lado
pro outro pra me esquentar. Ainda não estava nervoso, o que era bom e estranho
ao mesmo tempo. Era como se não fosse acontecer nada. O médico apareceu, olhou
pra dentro, eu dei olá, ele respondeu e saiu chamando “Daniel”. Minutos depois
estavam já com a roupa para opção, as máscaras, a touca e os instrumentos OK.
Eu já estava deitado.
Conversamos durante todo o curso da cirurgia. A primeira
providência do médico foi substituir a música do Daniel por uma versão “de
elevador” de U2. Quando eu levantei a bata, o frio aumentou muito e eu comentei
isso com o médico, que disse “daqui a pouco eu vou te isolar”. Na hora eu não
sabia o que era isso, que é te cobrir com um cobertor com um buraco apenas na
área à ser operada. Os passos correram mais ou menos como o enfermeiro havia me
explicado, mas as diferenças foram as seguintes:
O produto da assepsia é gelado de verdade. Pensava que estava
com frio na hora que o vento me bateu porque não sei nada e sou inocente.
Comecei a tremer violentamente e tive de botar as mãos embaixo das pernas, já
que seus braços tem de ficar longitudinalmente arrumados em relação ao corpo.
Apalmar não é nada e a cutucada da agulha é como dar um puxão
num pentelho: dói, mas não é nada que você não aguente.
A anestesia não arde, mas dói mesmo! É como se estivessem lhe
pressionando entre dois dedos firmes o testículo ligado ao canal deferente que
recebe o líquido. Dói à ponto de eu dar um grito abafado e encolher levemente a
perna, mas 30 segundos depois você não sente mais nada, só alívio.
Senti o saco balançando enquanto operavam, mas não conseguia
sentir absolutamente nada. Estava tão incrédulo que tive de perguntar pro
médico “já está cortando, doutor?”. “Já!”, foi a resposta, mas ele estava já na
parte das suturas do primeiro canal. Fiquei contente, mas finalmente consegui
ficar um pouco ansioso, pois sabia o que esperar nos próximos momentos: a
sensação de esmagamento da bola esquerda. A dor veio e, talvez por estar já
ciente dela, prestei atenção demais nisso que pareceu demorar mais, mas aí veio
o tal alívio refrescante. Pelo menos serviu para me distrair do frio congelante
no saco desprotegido.
De repente o médico me perguntou se eu precisaria de atestado
médico. Estava castrado! Disse que sim e ele perguntou meu nome. Respondi e ele
saiu.
O Daniel me disse que faria o curativo, que nada mais era do
que um suporte pra aumentar o conforto do saco. Disse ainda que o segredo era
manter a cueca e tomar banho só no dia seguinte, colocando gelo para diminuir o
inchaço por cima de tudo assim que chegasse em casa e fazer isso nas próximas
24 horas, além de tomar os remédios direito e todas as coisas que um cara
operado deve fazer e evitar fazer. Me despedi dele e do médico, que encontrei
no corredor, dizendo que foi muito importante pra mim. Peguei meu atestado e
saí.
Encontrei o terceiro da fila no vestiário. Ele me fez
diversas perguntas. Estava muito ansioso. Fiz o melhor para tranquiliza-lo e
fui ao encontro da minha esposa e irmão, mas me perdi no labirinto de
corredores. As placas de saída estavam lá só para atrapalhar e eu estava levemente
bêbado da anestesia e só agora me dava conta disso.
A operação em si levou talvez uns 15 minutos, mas como entrei
no Centro Cirúrgico às 18:10 e saí de lá às 19:40 a minha esposa pensava que
estavam fazendo já uma operação de mudança de sexo ou coisa assim...
O nome do médico é Márcio Cortês e sua especialidade é
cirurgia em aparelho digestivo. A vasectomia é tão simples que não precisa de
um especialista apenas para isso. Dizem que no futuro será coisa de
ambulatório.
Escrevo isso pouco mais de 17 horas depois da operação. O dia
seguinte é mais chato, mas á só uma chatice mesmo. Tomei banho pela manhã e
apesar do curativo estar ensanguentado as feridas estavam secas e só pouca
coisa inchadas em volta. Os pontos são quase imperceptíveis e creio que a
cicatriz vai ser realmente invisível depois que os pontos caírem, o saco
desinchar e os pelos aparecerem. O que sinto hoje sequer tem a ver com os
cortes, mas com o efeito da anestesia. Os amigos que levaram pancadas no saco
sabem da dor reflexa na barriga, que perdura levemente no dia seguinte. A dor é
essa mesma, a de um sabonete que escorregou da sua mão e lhe acertou os ovos de
raspão...
...nada comparado ao que sentiria sua esposa no caso de uma
laqueadura. Por fora, leva de três a seis meses para que as sete camadas
cortadas se regenerem. Por dentro, a mulher vai continuar sentindo dores e
sensações estranhas por anos! Se você tentou outros métodos anticoncepcionais e
não funcionou e ainda tem mais de três filhos vivos, faça a vasectomia. É
melhor e logo vais ficar bom. Não deixe que sua esposa passe por todo esse
sofrimento, que é tão agressivo quanto uma cesariana. Estou com um atestado médico
de três dias que vai engatar com o final de semana e ficarei só relaxando, mas
há hospitais que lhe dão até uma semana pra ficar em casa. Quanto aos filhos, é
muito difícil sustentar muitos filhos de uma vez, mesmo com ajuda, e tanto você
quanto eles e a esposa sofrerão privações diversas durante muitos anos porque
você não quis passar por algo que leva só uns minutos pra resolver e que não
deixa qualquer sequela.
Vasectomia é um ato de amor para com seus filhos e esposa.
Um comentário:
Vasectomia é uma das maiores declarações de amor que um homem pode fazer para sua esposa! Uma cirurgia simples, diria até - boba! Mas na mulher é uma cirurgia grande, com muito mais riscos e de cicatrização tardia! Parabéns mano velho, por tamanha consciência, e principalmente por ter encontrado o seu amor nessa vida, que é curta demais! Deus os faça ainda mais felizes do que já o são! Parabéns!
obs: Márcio Cortez é um dos melhores cirurgiões do Amazonas, muito me espanta ele fazer essa cirurgia tão simples - que é a vasectomia masculina!
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