segunda-feira, 3 de março de 2014



Mundo Morto

Parte 1 – Conhecendo o Mário

Seu nome é uma piada pronta. A cada novo colega que entrava em seus círculos sociais, outro filho da puta qualquer perguntava “conhece o Mário?” ao lhe apresentar.

Ele nem mais disfarçava o ódio que sentia da palhaçada, mas não se sentia capaz de mudar isso. Fisicamente inepto e sem poder de argumentação, não sabia o que fazer para pôr um ponto final nisso. Ao perceberem que a brincadeira o incomodava, seus “amigos” aumentaram e muito a frequência da chacota. Ele jamais se acostumaria com isso.

O pior é que isso era apenas uma das coisas que detestava em sua vidinha medíocre. Magro demais, com poucos e feios cabelos na cabeça, narigudo e orelhudo, nunca fora popular entre as mulheres. Só como motivo de risos. De tanto andar de cabeça baixa desenvolveu uma cifose. A depressão o envelheceu rapidamente e o rancor que sentia de tudo e de todos lhe presenteou com uma gastrite aguda, que ele sentia queimar quando riam dele, além de caspa e outros problemas de pele que lhe davam um aspecto sujo.

Mário viu na pornografia um alívio para os problemas cotidianos. Como morava sozinho, poderia passar o dia inteiro no onanismo, se não precisasse trabalhar. Fantasiava principalmente com algumas colegas de trabalho. Por isso, antes de sair de casa pela manhã, tinha de se masturbar. Ao se masturbar, não iria ficar duro nos ônibus ou no início da manhã, mas na hora do almoço precisava se aliviar mais uma vez para evitar lançar olhares lascivos às mulheres que desejava e detestava ao mesmo tempo.

De alguma forma alguém descobriu isso e espalhou no escritório. Logo estavam dizendo que era corcunda porque praticava felação em si mesmo. Não demorou nada para que descobrisse a nova onda de chacotas e, no dia que alguém fez questão de lhe dizer isso, aconteceu uma gargalhada geral, como se todos estivessem só esperando para ver sua cara. Nunca mais o deixaram esquecer disso com brincadeiras como “ele prepara o próprio leite” ou no jeito que as mulheres passaram a evitá-lo ainda mais.

A essa altura da vida já deveria estar acostumado com isso. Mas não estava. Nunca estava. Sempre fora motivo de risos, desde criança. Seu pai o desprezava e sua mãe só prestava atenção nele quando fazia algo contra suas crenças religiosas – o que acontecia diariamente – para então lhe castigar severamente.

Naquela época eram os gatos que o distraíam. Quando pegava um bichano, o levava para um terreno baldio e o espancava até a morte. A primeira vez que fez isso foi rápido, esmagando a pequena cabeça com a maior pedra que conseguiu erguer. Nas seguintes, foi refinando a técnica e matando cada vez mais lentamente os animais, descobrindo os meios e as habilidades para manter suas vítimas vivas por mais tempo. Dessa forma prolongava seu próprio prazer, que se traduziria mais num alívio momentâneo. Na última, pegou o bicho de estimação de uma velha que detestava de todo o coração. O relacionamento especial que aquela senhora tinha com seu gato foi a razão do rapto, tortura e morte do animal, que levou muitas horas para se realizar.

Nem isso, não obstante, foi suficiente para aplacar o ódio negro de seu coração infantil e ele desistiu dos gatos, completamente frustrado com o resultado sobre seus próprios sentimentos. Saber que a velha passou mal ao encontrar a carcaça mutilada de seu querido ragdoll, indo parar no hospital, não lhe fez mais feliz.

Anos depois, na adolescência, descobriu quase simultaneamente que as mulheres fugiriam dele e que poderia ter o que quisesse delas, desde que à distância e conectado com a internet. Descobriu, também, que jamais pagaria a alguém para fazer a coisa ao vivo, pois tinha um nojo profundo desse tipo de profissionais.

Havia momentos em que Mário se sentia tão miserável que a morte lhe parecia uma solução elegante.

Mas aí o mundo morreu.

Certo dia, quem morreu não permanecia morto. Os cadáveres dos recentemente mortos voltavam à vida algum tempo depois. O tempo de ressurreição variava muito. Os recém-falecidos não precisava sequer ter tocado os cadáveres ambulantes para se contaminarem - o que sugeria que todos estavam já contaminados por esse novo mal – ao passo que aqueles atacados pelos zumbis morriam em poucas horas, tornando-se também mortos-vivos. Nunca se identificou vírus, bactéria ou radiação como a fonte desse evento de extinção em massa. Cientistas tentaram em vão encontrar uma cura, uma vez que não era possível saber a origem da doença.

Mário viu que se matar não era a solução dos seus problemas, só o início do que parecia um suplício pior.

O engraçado é que ele não tinha mais de ir trabalhar no emprego ridículo e fazer a mesma merda todos os dias. Os colegas chatos se foram para sempre e agora o que mais tinha era tempo livre... e nada disso era uma coisa boa.

Mas era uma mudança e isso já era um começo!

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