segunda-feira, 24 de junho de 2013

Juízo Final – Parte 7 – Novo Isolamento

Depois de muitos gritos para que largassem as armas e muitos gritos de “não estamos armados” em resposta, descobriram que estavam cercados pelos ocupantes do Carrefour, que ao ouvirem o barulho das caixas sendo empilhadas entenderam que estavam sendo invadidos pela horda balouçante que estava sempre ali do outro lado da rua.

Logo depois foram levados ao salão principal da administração e se desenrolou uma discussão sobre o que fazer com eles. Luiz lembrava bem demais da discussão similar que ocorrera no DB da Cidade Nova, mas temia que aconteceria algo pior que ficar trancado por um dia inteiro no frigorífico.

Ele estava certo: resolveram trancar o homem e a velha por dois dias no frigorífico desativado.

Sem ter ninguém para acalmar, Dona Maria Antônia se chegou a Luiz e se puseram a conversar. A velha era boa de conversa e passaram muito tempo falando, em geral sobre amenidades. Quando Luiz tentou perguntar como ela estava sobre as netas e a filha que ficaram pra trás foi bruscamente interrompido. A avó não queria ficar pensando nisso. Era uma pessoa prática e se preocupar com elas não levaria à nada.

Quando não estavam conversando Dona Maria Antônia rezava. Ela murmurava e por isso Luiz sabia que eram rezas católicas. Ficara meio desnorteado com o tempo que ficou desmaiado, mas deveriam estar se encaminhando para a Páscoa, festa importante para o catolicismo.

Não queria interromper, mas conforme o tempo ia passando e as rezas não se interrompiam, Luiz teve de perguntar.

- Quando foi que isso começou? A senhora tem alguma idéia de porque isso está acontecendo?
- Isso começou com a Quaresma. Acho que vai acabar junto com ela – disse Dona Maria Antônia.
- Junto com a Quaresma? Você acha que isso é obra de Deus? – Luiz perguntou.
- O Diabo não tem poder para trazer o Fim dos Tempos e só Deus pode ressuscitar os mortos. – Foi a resposta da velha.

Luiz não era muito religioso, e estava até inclinado a concordar com a história do Apocalipse, mas não podia acreditar que fosse acabar em meros quarenta dias.

Dona Maria Antônia seguia rezando. Na catequese Luiz aprendeu que o tempo da Quaresma era – ou deveria ser – um tempo de purificação e penitencia através de rezas e jejum. Já se passara um dia e não lhes trouxeram nem mesmo água, então só precisava rezar para entrar no clima. O caso é que rezar não estava nos planos de Luiz, pois se Deus permite que uma coisa assim aconteça não receberia oração nenhuma dele. Ir pro Inferno? Seria pior que isso que Manaus se tornou? Tinha sorte de estar trancado no escuro. Escapou por pouco de ser destruído por criaturas que não deveria existir fora da ficção.

Dois dias agora. Abriram as portas.

Falavam com eles, os cativos, como se estivessem OK, mas não estavam. Ambos se encontravam terrivelmente debilitados pelo confinamento sem comida ou água. Falavam com o homem e a velha, mas estes mal entendiam o que estava acontecendo. Manaus é quente e a desidratação ocorre muito rápido. Em algum momento alguém se lembrou de que eles estavam assim e daí trouxeram uma espécie de sopa aos prisioneiros, que dormiram imediatamente após se alimentarem, ali no chão mesmo, ao lado dos pratos.

Dormiram bastante e não foram incomodados. Quando acordou, Luiz viu que Dona Maria Antônia já estava de pé, conversando com uma senhora de rosa, a mesma que lhes dera sopa.

Essa senhora se voltou para Luiz e lhe disse simplesmente “é Domingo de Alegria”.

“Porra nenhuma”, pensou Luiz, “Alegria é o caralho”. Mas não pôde deixar de notar que Dona Maria Antônia estava até bem animada ao falar com essa senhora, uns dez anos mais nova que ela.

- Ela também acha que isso vai passar com a Quaresma. – disse Dona Maria Antônia - No fim da Quaresma teremos a Páscoa, época em que Jesus derrotou a morte e passou a ensinar outras coisas aos apóstolos por outros quarenta dias.
- Dona Antônia, não tem jeito das coisas voltarem ao normal depois disso. Tá tudo mito ruim! – Luiz replicou.
- Antes não estava bom. Vai ser tudo diferente depois disso.

Luiz se afastou rapidamente. Não tinha nada contra a velha, mas não iria ficar ouvindo calado e não queria discutir agora que finalmente estava livre. Não havia ninguém vigiando a velha ou ele e sentiu que as coisas iriam melhor ali do que fora no supermercado da Cidade Nova.

Depois de chegar ao supermercado propriamente dito, viu que as pessoas não estavam muito preocupadas com ele. Na verdade, mal lhe davam atenção. Ninguém ali parecia preocupado com lhe explicar regras ou coisa assim. Ninguém parecia ser o chefe.

“Bom. Muito bom.”

Havia uma espécie de posto de observação montado perto de uma das janelas altas daquele lugar. As janelas eram altas demais para que se pudesse olhar por elas do nível do chão e foram construídas obviamente para iluminar. Os ocupantes do lugar fizeram uma espécie de rampa de entulho e havia uma jovem cabocla, muito bonita, olhando pela janela. A mulher o viu, fez sinal que se aproximasse fazendo silêncio com um bonito sorriso nos lábios.

Ele se aproximou. A mulher lhe apontou o exterior e disse que deveria olhar o tempo todo, pois os mortos nunca deixavam de tentar entrar depois que descobriram que havia gente em um lugar.

- Olha lá: eles nunca deixam de tentar entrar nos apartamentos. Ainda há gente por lá. – Disse ela.
- Pelo menos estão seguros – começou Luiz, pensando em sua mãe, mas a mulher ficou séria e fez que não com a cabeça. Seus cabelos longos e negros, presos num rabo de cavalo no alto da nuca, balançavam graciosamente. Ela era mais alta que ele.
- Eles não dever ter mais comida em casa. Acho que por morarem perto do supermercado não se preocupavam muito em guardar muita comida em casa. Vez em quando um pula pela janela. Estamos bem melhores do que eles.

Nesse momento, viu exatamente isso do outro lado da rua. De uma dos apartamentos mais baixos do Parque Sabiá, um homem pulou para o chão, quebrou ambas as pernas no processo e foi imediatamente cercado pelos zumbis. Não teve nenhuma chance. O gemido dos monstros ficou tão alto que não podiam ouvir os gritos do pobre diabo.

- Acho que esse tentou sair pra procurar comida, mas a maioria pula pra se matar, mesmo. – dizia a mulher, com certo fascínio no rosto. Se ela soubesse que a mãe do homem ao seu lado poderia estar ali, teria fingido compaixão pelos coitados do outro lado da rua?

Luiz olhou mais uma vez para a mulher, que olhava a movimentação do lado de fora. Olhou bem. Ela era mesmo muito bonita.

Estaria Luiz apaixonado por ela?

CONTINUA SEMANA QUE VEM.

Nenhum comentário: