segunda-feira, 17 de junho de 2013


Juízo Final – Parte 6 – Travessia

Por algum motivo as ruas não estavam bloqueadas por carros quebrados ou exércitos de mortos marchando sem parar em direção contrária ao carro deles. Na verdade, parecia que alguma máquina passara por lá empurrando os veículos para os lados. Vários deles pareciam em ordem e eram melhores do que o que Luiz dirigia, mas mesmo com a tranquilidade ele não queria arriscar, não depois do antigo motorista ter quase lhe dado um beijo de despedida fatal.

O caminho livre deixou Luiz aliviado, mas tenso, como se alguma coisa estivesse prestes a acontecer. Como não conhecia bem os bairros de Manaus e as ruas estavam – na maioria – desimpedidas, se dirigiu para o final da Avenida Pedro Teixeira, condomínio Parque Sabiá, onde morava sua mãe e local da sua infância. Conhecia bem aquela área e, para Luiz, um local bom para ficar com Dona Maria Antônia seria um local seguro, onde conhecia bem a área e onde, possivelmente, haveria outras pessoas conhecidas.

Secretamente, não acreditava que sua mãe estivesse viva, mas gostaria muito de poder se encontrar com ela. A última em vez que conversara com ela foi ruim, com uma discussão feroz sobre suas preferências sexuais. A maioria das pessoas é “OK com gay” apenas se não são seus filhos. Mas ele ainda queria muito bem a sua mãe.

O caminho estava livre só até o Sambódromo. Daí por diante começaram a aparecer carros bloqueando o caminho de maneira esparsa, e quanto mais seguiam seu caminho os ocupantes do único carro rodando por ali percebiam que não poderiam seguir. Também não dava para desviar o caminho, pois outros tiveram a mesma idéia e terminaram atravancando as saídas. Continuaram seguindo.

Próximo ao Le Bon Marché, no Débora, tiveram de descer.

Os carros estavam dispostos em um engarrafamento que não terminaria nunca. Ouvidos atentos, Luiz e Dona Antônia saíram mudos. Cada um sabia que não poderiam emitir som, pois uma quantidade terrível de zumbis poderia sair do interior ou de baixo dos carros por todos os lados e lhes arrancar a carne dos ossos. Lembrou-se mais uma vez da cara que o Ismael lhe fizera quando lhe viu, já zumbificado, tentando lhe tirar o carro.

- Só estava cuidando delas, mano – pensou.

Dona Antônia parecia mais segura do que ele. “Segura por que?”, pensou Luiz. Aliás pensara muito naqueles dias. Havia mesmo um real motivo para continuar? As coisas algum dia poderiam voltar ao normal?

Não. Definitivamente nada seria como antes. Não quando nem os mortos permanecem em repouso.

O Parque Sabiá não estava longe, mas a cada passo que davam havia a certeza de que a morte espreitava. Se Manaus não estivesse apinhada de mortos-vivos consideraria o dia bonito, nublado sim, mas sem o Sol causticante ou chuva forte poderiam andar sem muitos problemas. Desde que mantivessem o silêncio.

De repente sentiu uma mão ossuda e forte lhe apertar o ombro esquerdo e quase vomitou de medo. Malditas divagações, lhe causaram imagens mentais e lhe distraíram. Mas não era ninguém além de Dona Antônia. Luiz pôs sua mão direita sobre o próprio peito para se acalmar e a esquerda sobre o ombro de Dona Antônia, que olhava fixamente para um lugar qualquer. Quando estava para relaxar percebeu o que estava acontecendo e seguiu o olhar de Antônia, para ver um morto-vivo, terrivelmente mutilado a golpes de terçado, lhes olhando igualmente estupefato.

No momento seguinte o monstro começou a gemer alto. Era um som já conhecido dos vivos: o som que os mortos fazem quando identificam uma vítima em potencial. Sozinho um zumbi não é muito, mas o gemido atrai todos os mortos ao redor, que convergem como podem em linha reta em direção ao som, como único objetivo de sua não-vida.

Lutar não era opção, precisavam sair rápido dali. Em segundos já podiam ver rostos pútridos surgindo por todos os lados, mas o que mais preocupava era a frente, já cheia de obstáculos, agora com mais monstros do que poderiam enfrentar, se necessário. Homem e velha corriam. Luiz com cuidado para não deixar Dona Antônia pra trás, mas a senhora até que não era tão lenta. Luiz temia acima de tudo que aparece um dos monstros corredores que vira agarrar a perna de Ismael, mas não pensava muito nisso. Apenas corria, num trote que permitia ser acompanhado pela senhora.

“Cuide delas”, pediu Ismael.

Para seu horror, ao chegar perto do condomínio Parque Sabiá, Luiz viu que não só os portões estavam muito bem fechados como em sua frente haviam uns cinqüenta zumbis. Através das grades podia-se ver que as ruas lá dentro estavam igualmente cheias de mortos-vivos, de todas as alturas e estados de putrefação. Não havia pensado no que fazer se não desse pra entrar, não havia tempo para pensar, não dava pra lutar...

- Vamos pro Carrefour – disse Maria Antônia.

Os portões do Carrefour estavam abertos. Por experiência, procuraram direto uma porta lateral, algo como carga e descarga e logo encontraram. O pátio estava miraculosamente livre dos mortos, como se soubessem que as pessoas se escondiam no condomínio do outro lado da rua. Subiram numa cadeira e entraram por uma espécie de basculante grande que havia por lá. Como estavam sendo seguidos, trataram de bloquear como puderam o acesso ao interior do supermercado empilhado todas as caixas que encontraram ao redor. Era uma espécie de depósito.

Ouviram um barulho atrás de si e já se viraram para lutar quando perceberam que eram humanos que os cercavam, com rostos lívidos de horror.

CONTINUA SEMANA QUE VEM.

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