terça-feira, 10 de janeiro de 2012



Aqui vão mais algumas dicas para mestrar aventuras de RPG com mortos-vivos. A maior parte das idéias aqui servem também para outros tipos de histórias de horror.

Coloquei numeração aqui, mas como você que acompanha o Sucupiras já deve estar acostumado, os números são só para organizar, não havendo isso de item mais importante que o outro.

1) Terror!

A história deve ser capaz de dar medo, de perturbar os jogadores. Tem de haver atrocidades se eles se sentem mal com isso ou ao menos a incerteza do sucesso, com conseqüências catastróficas para os que não conseguirem “chegar lá”. É necessário que esse mesmo terror leve os jogadores a tomar medidas desesperadas, e uma das maneiras de medir se o medo, o desespero e a dor dos personagens dos jogadores é justamente observar se eles não estão resolvendo tudo com grande tranqüilidade. Mesmo heróis têm medo: o que faz deles o que são é sua capacidade de enfrentar esse medo.

Existem várias maneiras de instilar pavor no coração dos personagens dos jogadores (e em alguns jogadores também). A forma mais direta e simples, e que você observa em qualquer filme de mortos-vivos é a situação ir piorando continuadamente, com o cansaço e o stress crescendo. Em termos de jogo, isso equivale a uma situação aonde estão em um local relativamente seguro, mas que precisa ser vigiado constantemente, com portas sendo reforçadas de um lado e forçadas do outro sem parar e com os jogadores passando a discutir uns com os outros conforme fica claro que em algum momento terão de fazer algo diferente, pois os mortos não param de chegar e não descansam, ao passo que os personagens vão ficando exaustos e talvez seus números diminuindo. No caso de All Flesh Must Be Eaten – Que chamarei aqui de AFMBE para simplificar – além de toda a descrição dos sons e do cheiro horríveis que vêm de fora e dos pedidos constantes de “reforce aquela janela”, há os testes de fadiga, que vão deixar claro à todos que é impossível continuar com isso.

Outra maneira de exacerbar as coisas é o mestre explorar a diversidade dos personagens. Sabe por que em todos os filmes há um cara que não quer trabalhar como todo mundo e ainda reclama de tudo? Porque as pessoas são assim! Por causa das diferenças, ninguém vai lidar com a ameaça zumbi de maneira igual, e ainda que um líder forte apareça e comece a dizer o que todos devem fazer e a maioria vai mesmo colaborar visando a sobrevivência própria e do grupo, sempre haverá os que estavam acostumados a fazer as coisas do seu modo, ou a não fazer nada, ou que queriam liderar no lugar do atual líder, ou que simplesmente não concordam com o plano. Porque martelar as janelas se seria muito mais fácil subir ao sótão, longe do alcance dessas coisas? Porque martelar as janelas se o barulho atrai essas coisas? Porque simplesmente não enfrentar essas coisas até encontrar um lugar melhor? Essas e muitas outras perguntas podem ser sutilmente instiladas na mente daquele personagem egoísta/inconformista.

Para aqueles que são covardes a idéia de deixar tudo pra trás e sair na porrada com os mortos-vivos na esperança remota de encontrar um lugar melhor, desocupado ou com gente disposta a acolhe-los é suicídio. Mostre para esse medroso o que pode acontecer e lhe meta idéias na cabeça. Esse cara provavelmente não está com nenhuma arma, pois estava feliz em deixar outros enfrentando os monstros, mas agora vai pensar em tomar uma ou mesmo todas as armas para si e obrigar o grupo a ficar... Talvez ele mate a todos antes de deixar que o levem lá pra fora!

O sentimento de culpa também é algo muito forte. Imagine o que vai acontecer com o líder ou com alguém que deu uma idéia que deu muito errado, resultando na perda de recursos importantes como carros ou armas. Imagine se morrer aliados durante o processo. Pode ser que não aguente a pressão de ter alguém lhe apontando o dedo e gritando “é tudo sua culpa, se não viesse com esse plano estúpido e fizesse como eu falei não estaríamos assim”. Pode acontecer qualquer coisa, desde luta entre os membros do grupo até à passagem do cargo de líder para o egoísta/inconformista do grupo.

2) Clima

Há um motivo para que as salas de cinemas sejam escuras, climatizadas, sonorizadas e tenham uma tela muito maior do que você jamais terá na sua casa: prender a atenção do cara que pagou o ingresso! O clima envolvente do cinema é pensado para isso e hoje não há filme que não leve em consideração que toda a sala de cinema vai ser assim. Chegará o dia em que os filmes serão todos 3D e aí terão de inventar mais alguma coisa para ser o diferencial, mas pode apostar que as salas continuarão escuras, sonorizadas, climatizadas...

É a mesma coisa com sua sessão de jogo. Se você fizer a sessão num ambiente de feira de ciências vai ser difícil que os jogadores tenham medo. Claro que você quer mestrar jogos de zumbis no Comic-Com, mas se não houver clima pode deixar o suspense de lado e mestrar algo mais parecido com Left 4 Dead. Logo você vê que é preciso ajustar o que se vai jogar com o lugar em que vai acontecer a sessão de jogo.

Se você vai jogar em casa, tente fazer isso num horário calmo e silencioso. Se puder inserir uma trilha sonora, dê preferência àquelas em que o som é baixo e constante e não aquelas músicas em que os jogadores irão prestar mais atenção, talvez cantarolar a canção. Eu prefiro histórias de terror acachapantes, onde o medo cresce conforme você se dá conta da situação desesperadora em que você se encontra e uma morte horrível se aproxima... e algo pior do que a morte vem depois disso! Histórias assim têm de ter um clima mais calmo e constante, sendo que você não pode nem deixar que os jogadores conversem muito entre si. É melhor que a sessão de jogo dure pouco e seja bem orquestrada do que seja longa, permitindo que os jogadores percam a concentração.

Se você vai fazer seu jogo “na rua”, é melhor fazer um jogo mais parecido com o filme Residente Evil, em que os sustos repentinos e até mesmo zumbis caninos rápidos mantêm os jogadores na ponta dos assentos, atentos para o que pode aparecer dobrando qualquer esquina.

3) Bizarro

Ao menos uma vez em cada sessão de jogo, em todos os jogos de horror, o mestre deve colocar algo REALMENTE feio. Não estou falando aqui de bater na mãe ou coisa assim, mas algo que faça com que aquele que presencia algo assim fique chocado, provocando por vezes um fascínio grotesco. Isso acontece em todo bom filme antigo de mortos-vivos e em AFMBE você faz um teste de medo para ver se o personagem do jogador faz algo desconcertante como se borar, gritar como uma menininha, desmair...

ATENÇÃO: agora vou falar de exemplos contidos em filmes. Se você não viu esses filmes, não leia, pois estragará parte da diversão. Estão em ordem cronológica.

Os Mortos-Vivos (1981) – O Xerife, que vinha investigando assassinatos violentos na sua até então pacata cidade, descobre que a sua esposa e várias pessoas da cidade eram mortos-vivos desde a época de seu casamento... e depois descobre que ele próprio era um morto-vivo. A cara e o grito dele são inenarráveis!

The Evil Dead (1981) – Lá temos diversas cenas bizarras, como a primeira zumbi da história flutuar e profetizar o que vai acontecer com os personagens (e ninguém conseguia fazer outra coisa além de prestar atenção) ou a cena da zumbi dançando sem cabeça para “seduzir” Ash... mas nada é mais icônico do que a floresta com plantas animadas arrastarem uma garota, rasgarem a roupa dela e para então lhe estuprar. Ela percebe o que vai acontecer, mas no seu rosto se via algo como “as plantas me arrastarem até o mato TUDO BEM, mas vão MESMO fazer o que parece que vão fazer?” A incredulidade era incrível e a loucura lhe estampava o rosto muito tempo depois.


A Noite dos Mortos-Vivos (1990) Remake – Bárbara passou um dia inteiro lutando contra zumbis, mas não sabia por que os mortos queriam pegar os vivos. Eles simplesmente tentavam pegar os vivos, que fugiam ou destruíam os mortos-vivos. Quando ela sai sozinha da casa que serviu de abrigo e se depara com um bando de zumbis comendo o cadáver torrado de um integrante do grupo, tem ânsia de vômito e para de fugir... até que uma morta carregando uma boneca como se fosse um bebê a faz cair em prantos... e ela mal tem forças para atirar, preferindo empurrar a morta, que fica voltando!

Fome Animal (1992) – O protagonista do filme era duro de se desesperar: viu a mãe virar zumbi e espalhar a praga. Além disso, cuidava de cada zumbi como se fosse um parente doente os invés de destruí-lo em seu porão, ao mesmo tempo que arrumava tempo para seguir com sua vida e amar... mas nada o preparou para um padre zumbi foder com a sua mãe zumbi e engravidá-la(!!!)

Então é isso, não deixem de surpreender e de fazer alguma jogada para impedir o jogador de fazer alguma gracinha se necessário. Se é óbvio que o personagem iria pirar o cabeção, que seja!

Amanhã eu posto outra parte da aventura SOMEWHERE OVER THE RAINBOW e daí volto com mais dicas.

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