Juízo
Final – Parte 13 – Ponta Negra
Sem
uma palavra, os homens começaram a atirar. Pedaços de carne podre voavam por
todos os lados. Não era como nos filmes, com balas demais no ar, mas tiros
precisos nas cabeças com algumas rajadas cortando pernas na altura dos joelhos.
Todos sabiam o que fazer – ao menos os soldados – e ordens não eram dadas.
Ninguém perguntava em voz alta o porquê do refúgio tão bem escondido ter caído
ou o que fariam a seguir.
Simplesmente
atiraram em todos.
Buscas
posteriores localizaram uma avó e seu neto escondidos em um ponto remoto da
ilha. Contando com o homem que viram antes foram três sobreviventes no total.
Ainda não sabiam como essa desgraça havia acontecido, mas não havia tempo.
Retiraram os sobreviventes do local e mesmo os soldados que ficaram para dar
uma última busca seriam tirados dali em um outro momento. Luiz descobriu que
helicópteros carregam menos gente do que imaginava.
No
helicóptero a senhora ainda abraçada ao neto explicou, calmamente, que um dos
homens levantou durante a noite como um dos cadáveres ambulantes e matou sua
esposa e filhos sem muito ruído. Daí saíram de lá e foram entrando em cada uma
das cabanas. Mesmo com a gritaria, quase ninguém conseguiu evitar ser morto ou
ferido pelos mortos, e quase todos voltaram também como mortos-vivos. A exceção
foi um bebê completamente devorado pelos pais zumbificados.
Luiz
passava mal com a perspectiva de que nem os militares poderiam controlar a
praga, mas Felipe estava estranhamente resignado. Este olhou para seu irmão e
foi logo dizendo “Era um dos cenários possíveis. Quando os militares tomam um
curso de ação, fazem projeções do que pode acontecer e traçam planos de
contingência. Por isso que eles nem falam quando a situação surge. Como eu
disse, são ótimos soldados.”
-
Mas e agora?
-
Agora vamos voltar pra base, seguir com o plano da Ponta Negra, continuar a
procurar sobreviventes.
-
Não! E agora, para onde vamos? Qual o novo refúgio?
-
Por hora o refúgio principal é a base do São Jorge, o 1º BIS. Depois a gente deve
refazer o refúgio de Anavilhanas.
-
De novo? Mas deu tudo errado por lá!
-
Não! Alguém devia estar infectado, mas esta é a melhor solução. Vamos ser mais
rigorosos nas quarentenas e deixar guardas ou coisa assim, mas insistiremos com
o plano. Não tínhamos sentinelas disponíveis, mas já estamos treinando novos
recrutas.
Quando
Felipe falou em quarentena Luiz lembrou do tempo em que passou trancado na
escuridão total de um frigorífico desativado em duas ocasiões. Um frio lhe
correu a espinha.
Logo
estavam de volta ao 1º BIS. Os homens se preparavam para a operação na Ponta
Negra. Luiz e Felipe embarcaram também em um dos muitos caminhões com cobertura
de lona que os transportariam ao antigo cartão postal da cidade.
O
caminha para a Ponta Negra foi tranquilo. Ao passarem pela Igreja da
Restauração ainda viram uma multidão de cadáveres com roupa de culto, mas a
maioria estava muito aglomerada no interior para poder sair correndo atrás dos
carros. Ao chegar à Ponta Negra, no entanto, a coisa foi diferente. O lugar
estava apinhado de mortos-vivos. Via-se “gente” com roupa de praia, de vendedor
e até de casa, pois há muitos condomínios de luxo na área. Misturados na
podridão, Luiz podia ver tanto cunhã poranga quanto dondoca cheia de jóias.
“Como
passar?” pensava Luiz quando ouviu o som inconfundível de centenas de tiros.
Um
dos caminhões, mas afastado dos outros, retirou a lona e todos os soldados
atiravam com armas incrivelmente barulhentas. O som dos mortos subiu a um nível
alarmante e Luiz quase entrou em pânico, até que percebeu a manobra: os zumbis
andavam em direção aos disparos do caminhão afastado e livravam a área que os
outros veículos precisariam usar para passarem ao posto avançado. Não estava
claro como o pessoal do caminhão que atraía os monstros iria escapar dali
depois que milhares daquelas coisas os cercassem, mas deveria existir algum um
plano, não é?
Não
ficaram para ver.
Depois
de um curto trajeto foi possível ver a armadilha: um desnível natural entre a
rua e uma determinada área da praia da Ponta Negra estava sendo arrumada como
um fosso e muitos homens já estavam esperando numa área protegida. Uma espécie
de ponte de madeira levava os homens de caminhão até aquele ponto e ainda havia
um tipo de flutuante bem a vista no rio, com alguns barcos de prontidão.
Não
ouviam mais os tiros. Passado algum tempo, soldados avançaram com granadas que
pareciam latas e cornetas de ar comprimido. As bombas de efeito moral e as
cornetas fizeram um barulho irritante, mas que cumpriu sua função atraindo os
mortos-vivos. Os homens pararam com as cornetas e empunharam as armas. Muitos
dos zumbis começaram a cair no poço improvisado, o som de ossos e barrigas
explodindo - um som molhado e nojento - era perfeitamente audível. Cabeças
também se abriam expondo seu conteúdo repelente. Logo os cadáveres caíam da
beira numa quantidade tal que lembrava uma cachoeira torpe e o som dos corpos
se espatifando crescia e mudava, conforme deixava de haver espaço no chão e os
zumbis caíam uns por cima dos outros. A altura era tal que qualquer humano
morreria, mas as criaturas já estavam mortas e muitos já não estavam
inoperantes após a queda, mas não podiam se mover conforme mais e mais deles
continuavam a cair. Em um dado momento a torrente era incessante, mas aí foi
diminuindo e chegou o momento em que muitos mortos vivos estavam na beira
apenas olhando para baixo, sem avançar, sem cair.
Os
soldado passaram a atirar. Os mortos não recuavam e eram abatidos facilmente,
mesmo com a distância. Quando um deles morria um que estava logo atrás avançava
e era também abatido, até que não restou mais nenhum deles. Luiz se perguntava
como não os seguiram pela ponte de madeira, até que percebeu que uma seção dela
havia sido retirada, como um painel, provavelmente pelo último dos integrantes
do comboio.
Luiz
sentiu a esperança renascer, ainda que os gemidos, o cheiro podre e a visão de
gente que deveria estar morta e enterrada nunca mais o deixassem por completo.
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