Esta é uma aventura pronta para O Desafio dos Bandeirantes
baseada no conto The
Shadow Over Innsmouth, de H. P. Lovecraft. Vai ser um pouco diferente das
demais, já que o período histórico do jogo e do conto são diferentes e eu fiz
diversas adaptações tanto em um quanto em outro, mas acho que ficou legal.
Mestrei isso no primeiro Arena Multiverso que aconteceu em 17/08/2014
Rápida explanação, para quem precisa.
O Desafio dos Bandeirantes é um RPG brasileiro e ambientado
no Brasil. Tem sistema de regras próprio e as aventuras se passam no Brasil
colonial de mil seiscentos e pouco – século 17 – e o país tem o nome de Terra
de Santa Cruz para propósitos de jogo. No lugar dos clássicos paladino, ranger,
mago e por aí vai, temos jesuítas, pajés, rastreadores, sacerdotes negros... em
vez de dragões, orcs, beholders, basiliscos, kobolds e afins, temos cobra-grande,
mapinguari, mula sem cabeça, curupira, igupiara, anhangá, descabezado,
cupendiepes e outros monstros daqui e vindos dos continentes brancos, como
vampiros e lobisomens.
The Shadow Over Innsmouth é um dos contos mais longos de
Lovecraft, escritor nascido no século 19 que influenciou totalmente o horror no
século 20 e 21 (até aqui) porque incluiu elementos de fantasia e ficção
científica. Innsmouth é uma cidade de pessoas muito feias, geneticamente
degeneradas, que esconde um terrível segredo e uma enorme fortuna. O conto é
sobre um arqueólogo e antiquário amador que vai até lá para descobrir as
origens de uma tiara incrivelmente rica e detalhada, feita de um metal
desconhecido.
É engraçado fazer esse tipo de adaptação, pois quem me
conhece sabe que não gosto de transformar nenhuma história boa, mas quase todas
as histórias de Lovecraft são contos de um homem solitário que encontra o
insólito, enlouquecendo, mudando e/ou morrendo no processo, ao passo que RPG
envolve grupos de aventureiros e raramente aventuras solo.
Parte 1 – João Simão
Dom João Simão Taboada é um homem simples até demais para o
cargo de Dom. Nem mesmo gosta de usar o sobrenome da família ou o título que
herdou, preferindo se apresentar como João Simão. Nascido em Piratininga e
apaixonado pela Terra de Santa Cruz, estuda avidamente mitos e lendas,
colecionando artefatos em que consegue pôr as mãos. A sua peça mais marcante é
uma grande tiara, esculpida de maneira extravagante e incrivelmente detalhada,
com figuras que remetem a homens-peixe e outras abominações. A joia parece
muito cara, mas não parece feira para seres humanos comuns, pois é grande e
estreita demais, formando uma espécie de elipse no ligar de um círculo como
tiaras usuais.
Anualmente, um representante de Boca do Interior, vila
localizada numa baía entre São Vicente e a Vila de São Sebastião, vem fazer uma
proposta de compra. O valor oferecido pela tiara cresce muito a cada ano, sendo
que o motivo da compra é tanto religioso quanto sentimental: o sacerdote local
é descendente dos donos originais da tiara e ele possui uma similar usada em
eventos sagrados.
Há um pequeno barco que transporta gente e carga entre São
Sebastião e Boca do Interior. O condutor do barco é um homem mal falado na
cidade e com o qual quase ninguém falou. Isso se deve tanto à sua aparência
repugnante quanto às historias envolvendo a religião de Boca. Na verdade, as
pessoas evitavam olhar na direção dele, o que torna difícil uma descrição de
como o homem é. Sabe-se, no entanto, onde encontrá-lo e seu nome – Miguel
Galego.
João Simão reúne o grupo para tentar fazer o contrário do que
acontece todos os anos: oferecer uma quantia vultosa pela tiara em poder do
sacerdote de Boca do Interior. Se as negociações falharem, pretende roubar a
coisa. A primeira tiara foi comprada de um pirata e certamente também havia
sido roubada anos atrás. Para isso reuniu um time com dois guerreiros brancos,
um rastreador mestiço, um jesuíta branco, um carregador negro e um índio para
preparar remédios. O resto do grupo não sabe, mas o índio é um jovem pajé que
aprende sobre a cultura dos brancos, o carregador é um feiticeiro de ferro e
fogo e um dos guerreiros é um ladrão contratado especialmente para roubar a
tiara, se necessário.
Tudo o que foi explicado até aqui deve ser repassado aos
jogadores como se fosse numa conversa entre João Simão e o grupo. É um jogo
para 6 PJs (Personagem Jogador), mas se sentarem 7 à sua mesa para jogar
contigo, dê João Simão para alguém interpretar e explique a história primeiro à
esse jogador e depois deixe que ele explique ao grupo.
Se o pessoal quiser fazer uma pesquisa entre aventureiros de
taverna, bêbados, prostitutas ou com fofoqueiras da região, será fácil ouvir um
monte de histórias sobre a vila Boca do interior. Jogue 1D10 ou conte
aleatoriamente um ou mais boatos, conforme o pessoal se divide para coletar
informações ou insiste na pesquisa. O que se sabe de fato é que o povo do local
é muito recluso e que não recebe bem gente de fora.
1 – A cidade foi bombardeada por navios da marinha anos atrás
para acabar com o tráfico generalizado causado por piratas na região. Grande
quantidade de moradores foi para prisões militares e nunca mais voltou.
2 – A cidade é dominada pela família Marinho há três
gerações.
3 – Um homem chamado Martim Marinho convenceu toda a
população a deixar o cristianismo e seguir um deus que lhes daria riquezas e
peixes em abundância.
4 – O povo de Boca do Interior tem alguma espécie de doença
que faz homens e mulheres ficarem cada vez mais feios assim que atingem a idade
adulta.
5 – O povo de lá tem uma aparência geral conhecida como “feição
de Boca do Interior” que é ligada aos olhos esbugalhados e encovados.
6 – Uma epidemia arrasou Boca do Interior cinquenta anos
atrás, matando quase todos e por isso a cidade tem muitos prédios abandonados.
7 – Vários negócios não deram certo em Boca do Interior e a
economia decaiu cinquenta anos atrás e por isso a cidade tem muitos prédios
abandonados.
8 – Nunca falta peixes na baía da cidade e os locais espancam
quem tenta pescar por lá.
9 – A Marinha lutou contra uma criatura marinha perto do
quebra-mar que eles têm em sua baía, mas os militares tratam o assunto como
confidencial.
10 – Todos em Boca do Interior fedem a peixe, não importa se
trabalham como pescadores ou não.
Parte 2 - Miguel Galego
O grupo vai pro entreposto comercial marítimo de São
Sebastião. Lá irão pegar o pequeno barco de Miguel Galego, morador de Boca do
interior e principal responsável pelo translado de pessoas e provisões. Os
funcionários do entreposto são muito atarefados e não irão ficar de conversa
com os aventureiros. Se não se informaram sobre Boca do interior antes, não se
informarão mais. Só conseguem a informação de que ás oito da manhã e às oito da
noite o barco de Galego visita a cidade. João Simão fez todos irem pela manhã e
pretende voltar no barco da noite, mas se precisarem ficarão até o outro dia.
Há uma estalagem previamente avisada por carta dessa possibilidade e o
administrador local tem três quartos de prontidão.
Antes de Miguel Galego chegar aparecem outras pessoas para
tomar lugar no barco, que já está nas docas. São jovens brancos muito feios,
com grandes olhos bem abertos, dando a impressão de assustados. A pele deles é
oleosa e eles fedem a peixe secando ao sol. Seus cabelos são escorridos e finos
demais, seus narizes são largos e a pele no pescoço parece ser frouxa. Andam
engraçado, mas pode passar pelo jeito de marinheiros andarem na terra. Os
funcionários do entreposto estão claramente desconfortáveis com a presença
deles e o mestre deve informar aos aventureiros que algo além da aparência
deles causa asco, mas que não está claro o que faz isso. Se os aventureiros
tentarem conversar com os boca-interioranos, serão ignorados. Se insistirem,
serão encarados de forma muda e inquietante até pararem.
Chega Miguel. Ele é ainda mais feio do que seus
predecessores. Ele tem pouquíssimos cabelos loiros nascendo na nuca e é quase
completamente calvo. Pela forma de se mexer e seu porte físico, deve ter no
máximo 30 anos, mas seu rosto parece com o de um homem de mais de 60 anos,
muito curtido de sol e apresentando o que parece ser uma coleção de pequenas
deformidades. Os olhos dele são ainda mais esbugalhados e encovados que os dos
jovens, mas ainda são embaçados e têm uma mancha ao redor. Dos dois lados do
pescoço há pregas de pele tão fundas que perecem cicatrizes e sua cabeça muito
estreita. As mãos têm palmas enormes e dedos curtos, os sapatos são grandes
demais e ele anda de uma maneira simiesca. A aura de desgosto que carrega
consigo é consideravelmente mais repelente que as de seus antecessores. É ruim
olhar pra ele, mas se algum personagem fizer um esforço, logo vai notar algo
mais inquietante...
...ele não pisca!
Vai conversar com o pessoal do entreposto para acertar
questões referentes à sua carga. Se algum jogador tentar ouvir o que dizem,
declare que não falam nada de mais. Acertam preços ou coisa assim e nem mesmo é
uma quantia impressionante. Ele compra mantimentos e vende peixe, só isso, mas
o sotaque dele é notável por não parecer com nenhuma língua conhecida na Terra
de Santa Cruz – e há muitas línguas faladas aqui!
João Simão chega nele com dinheiro para as passagens na mão e
diz apenas “vamos pra Boca”. Por um instante interminável e agonizante, o
horrível timoneiro encara o Dom com um olhar entre inquiridor e incréu,
finalmente notando o dinheiro e pegando-o sem dizer palavra.
A viagem deve correr tranquila, com o Dom tomando todo o
cuidado para evitar roubos ou brigas dentro do barco. A viagem corre tensa em
sem muita conversa. Um espírito de opressão cobre a todos. Um urutau canta ao
passar por cima da embarcação. Quem tiver mitos e lendas pode fazer um teste
fácil para saber que a ave é portadora de mau-agouro.
Outras partes semana que vem que eu
já digitei muito por hoje ;)
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